sexta-feira, 29 de julho de 2011

Os meninos.

Uma parte minha ficou naquela pequena cidade e outras partes que nem fazia ideia da existência despertou. Ainda lembro-me dos olhos radiantes de sol do menino do interior. Seu sotaque. Sua forma de dizer a vida. Ele era um sonhador e levava os cantos numa eterna brincadeira.
Talvez já nem faça ideia de como é a poeira do solo sobre a roda do carro, e tampouco devo lembrar-me do cheiro puro dos vegetais tingidos de orvalho. Mas jamais se apagou seus braços em meu corpo e sua molecagem maneira de ser engraçado. E quem sabe um dia, iremos pescar como combinamos?
Só sei que nas margens do são Francisco deixei minha margem com cacos de risos. Junto de bochechas rosadas com tons de lama e ali nas chuvas imprevisíveis sobrou um beijo molhado.
Ontem estava eu preparando um artigo para publicar no dia seguinte no jornal. E quando acabei me deparei com o escuro de meu quarto calado. Só discutia com minha alma e minha aura ascende mais uma vez. Deparo-me com uma imagem de um menino tímido e isso me leva a acelerar meu coração. Lembro-me das estórias de Gabriel e suas cabritas meninas, talvez deva chegar aos cem anos desejando a virgindade de um menino maduro. Talvez eu só queira a pureza de um tempo, ou quem sabe, o tempo ria nos calcanhares de ponta pés de minhas mais novas alucinações. Tentei controlar minha mente, não sabia ao certo onde queria chegar. Mais quando mais o ego tenta por limites ao campo psicológico mais a painel de controle perde os manuais.
Alguém me chama a porta- escuto a campainha.
O menino do interior estava ali a metros de alguma distância que já podia contornar. Essa mesma que permeia nosso horizonte-Era minha aura cheia de luz aurora nostalviva de outrora da ausência que ele me deixou. Ele gritava meu nome do jeito que gostava de ouvir. A forma que entrava como musica aos ouvidos despindo o nú que vestia meu ser.
Notei que ele já não era mais aquele menino, sim, se tornará um rapaz bem mais atraente. Ainda continha os mesmos sonhos. Quando ele falava, só sabia notar o brilho dos seus olhos tão claros. Esse brilho emanava o ambiente e me aquecia do medo. Eu, coberto de incertezas e inseguranças. Eu que não sabia permitir e já nem sonhava algodões. Tudo que sabia sobre teorias de livros perdia sua forma perto dele.
Ele dizia que eu havia se tornado importante, pois quase não me encontrava em casa. Disse a ele que só tinha tempo para a vida acadêmica. Ficamos calados um bom tempo. Esse tempo que nos compensava o silêncio da distância. Esse tempo que completava uma pauta semipreenchida. Logo perguntei sobre o céu do interior comparado com o do Rio de janeiro, já sabia da resposta- havia mais estrelas. Por sinal, sempre soube das respostas que ele me daria. Já sabia o que ele poderia gostar e qual filme ele poderia parar quando mudo de canal sobre meus tiques nervosos sobre os botões do remoto. Ele começou a nomear as estrelas- uma coisa que nem sabia e que tampouco me chamava atenção. Aquilo ganhou proporções como se eu tivesse um espaço radiante de muitas luzes. Num tempo onde espaço e hora se fundiam e já não havia compromissos de situar classificações às coisas. As coisas eram as coisas por si só.
Em outra parte ponderada, num pátio desabitado, passou um desses meninos que a vida joga de supressa. Era mais um do interior que rodopia piões nos giz de barro. Ele é amante da arte e de coisas tão simples. Pouco sei dele, mas o que sei é suficiente para arrancar distintas ficções e narrativas que nenhum outro escritor tocou. A forma de mascar um palito como se fosse um capim da serra. As fogueiras traçadas nas nossas brasas. Um céu formado de balões. Não há de saber meu nome e nem direi nada. Pois guardei as formas das tintas, os olhares singelos e toda coleção do dizer que é simples meu interior.
O menino do meu interior já nem era menino. Dentro dele havia presente, passado e futuro. E por mais homem que ele se torne, ali materializado permanecerá sempre.
O rapaz me disse que faria um prova no dia seguinte que poderia mudar sua vida e que ele moraria aqui dependendo do resultado, tentei acalma-lo. Contei das experiências que tive e que a tranquilidade é um fator de enorme vantagem.
Ele parava e me fitava. Senti uma espécie de respeito por aquele outro menino. Esse confiava em mim em coisas que nem eu mesmo declinava. Mas ele estava tão apagado, precisei de uma limpeza nas lentes embaçadas. E mais uma jarro forte de luz e uma voz ao fundo. Escutei a voz me dizendo: Liberte as mágoas.
Em outro canto, um menino me viola entre portas. Abrindo as janelas ao ponto de despertar doces primaveras. Ainda sinto os olhos em mim esperando meu falar- mesmo as mais triviais formas de perceber o mundo em volta. Este menino é diferente do interior. Sempre único.
Um dia perto do mar- onde era nosso lugar comum- olhei bem em um ponto fixo (pois aposto que se olhasse nos seus olhos não teria coragem) e disse que não poderia mais sermos amigos. De alguma forma não poderia ser completo compartilhar um menino em outras mãos. Pude sentir alguma lágrima de seus olhos que refletiu nos meus. Mais como dizer o que eu queria dizer? Como seguir sem seu jeito? Sua voz... Como? Depois e nunca mais.
Queria arrancar forças. Queria poder dizer sem nenhum compromisso as madrugadas como é meu amor. Logo outro jato de luz e mais uma voz dando ordem. Lembrei que estava em um consultório de hipnose e que pagará caro por uma sessão de esquecimento. Uma técnica do futuro que apagava uma lembrança da mente. Naquele ponto, onde mais podia chegar? Não mais tenho chão, céu, estrelas e nem uma coleção de arte. Estou partindo para algum caminho que me levará para outra coisa que já não sou.
Enquanto o menino do meu interior esse também vai regressar para alguma terra distante de mim. Ele não se despediu, pois não tem costume e tratou logo de ir sem muitos rastros. Enquanto a luz vinha nas pálpebras e íris. Apagava o telefone...
Enquanto a luz... Vinha uma caminhada minha, eu corria e debaixo da janela- ele sonhava que um dia ia me avistar. Apagava o endereço. Enquanto a luz, eu era risadas de tardes. Eu era a chuva inesperada. Apagava os planos. Apagava os retratos. Apagava os traços.
O menino do meu interior ainda se faz mais forte quando vou alguma festa e não o vejo. Quando marco algum encontro. Quando em outros lábios beijo. Quando cruzo com algum olhar. Quando espero alguém se arrumar. Quando atendo o telefone. Talvez me falte uma lembrança. E talvez por essa ser tão longe é que a falta se faz mais presente- cada vez mais sinto a presença de algo que não sei dentro de mim.
Então, fecho a porta do quarto e entro em coisas que quero lembrar por esquecer- coisas que já não são as minhas (Coisas que nunca foram minhas). Somente fito as capsulas de narcóticos e suas pretas tarjas. As luzes vêm para trazer apenas um infinito quadro onde me apago: Apagava pontos.
No escuro interior entendo que sou habitado por tantos meninos. Mas há apenas um que sempre volta.



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