sábado, 30 de outubro de 2010

Uma estrela e dois atos.

Coisas que nem ela hoje deve se lembrar. Ato um.
Luna gostava de ouvir sua mãe contar história antes de dormir. Sua preferida era aquela de um soldado de chumbo que se apaixonava por uma boneca bailarina, um soldado perneta e uma linda bailarina - um amor impossível. Luna era uma menina que sonhava encontrar um príncipe, e todas as noites escolhia uma estrela e imaginava o senhor de seus sonhos.
Em algum lugar perdido na memória.
-Até que tivemos uma boa ideia em se esconder encima do telhado, né Lucas?
-olha Luna, aquela não é as Três Marias?
-claro que não seu manê, aquilo é a Ursa maior.
- Gosto daquela que brilha mais forte.
-Não aponta, mamãe disse que dá verruga!
-não acredito nisso...
-Devia pelo menos ter respeito.
- Você sabia que algumas estrelas já morreram?
-E estrela vive?
-O que a gente vê é o brilho delas.
-Lucas, você amanhã brinca comigo?Só sabe jogar bola!
-sim, você é minha melhor amiga. Tá vendo aquela estrela ali... É a nossa estrela. Eu vou lembrar de você toda vez que olhar para ela.

Nesta rua, nesta rua, tem um bosque que se chama que se chama Solidão dentro dele, dentro dele mora um anjo que roubou, que roubou meu coração. Se eu roubei, se eu roubei seu coração. É porque tu roubaste o meu também, se eu roubei, se eu roubei teu coração. É porque eu te quero tanto bem.

Numa tarde quente de janeiro, Luna troca figurinhas de uma banda do momento numa roda de meninas. Elas falavam da beleza do vocalista e coisas que aconteceram na festa. Foi quando uma delas se lembra do Lucas, que havia se mudado há muito tempo. Luna sentiu o coração pulsar mais forte, e olhou o céu que começava a escurecer.
O que se perde no silêncio de um dia de trabalho.
-Nossa você viu a novela ontem? Nem acredito que a Ana clara foi desmascarada...
- Nossa o capítulo de hoje estar imperdível, adoro aquele ator qual é o nome dele?
- hei Luna!!! Ta quietinha aí... O que foi?
- Tava pensando os homens são todos iguais...
- Como foi o encontro com o gerente bonitão?
- Ele só queria me comer... E eu dei pra ele, e só. Nada tão especial, só deu uma de cavaleiro até chegar ao que queria. To meio cansada!
- Pelo menos ele fez o serviço direitinho?

Folha de uma agenda velha.
Objetivos:
- me formar em jornalismo.
-viajar de mochileiro pela Europa.
-casar.
- ter duas filhas.
-morar numa casinha de campo, e morrer com meu marido cultivando flores.
Domingo. O que ela pensava quando revia a fita de casamento num dia depressivo em que ficou em casa sozinha.
Por que tinha de ser assim... Não entendo por que o Rogério tirava tantos ciúmes?Eu queria forma uma família, queria amá-lo, mas ele fez tudo chegar aonde chegou. Acho que nenhuma mulher suporta a dor de imaginar seu marido preferindo outra. O que eu não podia fornecê-lo?Ainda me dói olhar tudo isso, não suportaria vê-lo. Dói-me cada tabefe que ele me ofereceu, cada palavra e meu silêncio durante cinco anos. Como é cruel vê cada decoração, cada convidado sorrindo e lembrar os preparativos. Minhas expectativas. Meu Deus, como sou idiota!Deveria ta lá fora, rindo, me divertindo. Mas não consigo parar de chorar... Então o cravo briga com a rosa debaixo de uma sacada. O cravo ferido, a rosa despedaçada. Dói-me o corpo todo.
Terça. Depois de assistir uma peça de teatro com seu novo ficante.
-E ai o que achou da peça? Já sabe o que vai escrever na coluna amanhã?
- Achei tão incrível! Lembrou-me o teatro de Bertold Brecht, aqueles cenários neo-surreais... Nossa a Noelle Franco estava impecável na sua interpretação!Só preciso acertar com o editor alguns pequenos detalhes. Talvez eu saia da revista.
- É uma pena, gosto muito de trabalhar com você. É uma enorme perda, você é uma excelente profissional!Mas pra onde vai trabalhar?
- Vou publicar livros de romance na editora Compondo, e preciso fazer um contrato. Lembra daquele livro que te mostrei?Gostaram dele.
-legal... Era o que você sempre queria!! Olha, tenho uma surpresa pra você.
- Madama Butterfly... Como gosto dessa ópera. Will, até casaria com você.
O que ela pensava quando chegava de uma coletiva de imprensa. No Banheiro. Olhando pro espelho, e limpando a maquiagem.
Aonde cheguei?O que sou? E isso que sou capaz de dar ao mundo?Enquanto todas aquelas pessoas sorriam para mim, e sei que não era um riso vivo e sincero. Por que todos esperam algo a mais, sou uma humana. Preciso tirar essa máscara de super-mulher. Vou lavar meu rosto. Posso vê minhas lágrimas do fracasso indo junto com cada cor ao ralo. Eles não sabem mais tenho medos, dores, sonhos incompletos. Eles querem ser como eu?Quantas vezes botei essa mascara de carnaval para que os machos pudessem me notar.Queria ser a mais fêmea, a mais colorida.Eles nunca souberam me traduzir, só me induzir.Eles nunca me deram atenção, o sentimento tão simples que pedi.Não quero mais ser essa máscara.
Na mente, fragmentos perdidos:
O que ela pensava enquanto beijava um desconhecido numa boate.

Eu sei. Será mais um. Dessa vez não quero mais embromações. Acho que somos adultos o suficiente, sou uma vadia e preciso de atenções, não precisamos falar do tempo e a chuva que vira sobre o rio de janeiro. Quero apenas entrar em seu corpo, possuir sua carne por uma noite. Os dois corpos ocupam lugar num mesmo espaço. Quero sentir seu corpo, seus músculos em único movimento. Nossos suores impregnados e um só afagar. Depois vamos sussurrar qualquer frase já morta. Ele vai acordar, e iremos prometer ligar um pro outro.
O que ela pensava enquanto um casal de amigos se beijava. Feriado. Quinta da boa vista.
É bonito. Precisava descansar. Mas que merda, como posso ter o azar de ter vindo para esse encontro sozinha e mais esses dois. Logo agora que Anita começou namorar, e eu posso sentir minha cabeça pegando fogo. Imaginei eu, uma enorme vela de promessa. Aposto que eles um dia não vão ser como agora. No início são flores!Engraçado, escrevo sobre o amor, mas não acredito nele. Dar-me nojo vê essas cenas, ou seria inveja?
Guardado numa caixa velha num dia de mudança, ela encontra um caderno o qual costumava escrever quando criança.

Um bilhete mais ao fundo.
Filha,
Mamãe sempre vai estar com você. Hoje você completa quinze anos. Mas pra mim, você será sempre aquela menina. Ainda lembro-me das bonecas e dos contos de fada. Um dia você terá uma filha, e vera o quanto é difícil vê pouco a pouco eles indo embora. Sabe, entro no porão e vejo os brinquedos, as roupinhas, olho as fotos. Que saudade das mãozinhas unida com as minhas. Mas onde estiver mamãe vai estar com você como uma estrela.
Te amo.
Mamãe
Escrito no caderno.
“As pessoas têm estrelas que não são as mesmas. Para uns, que viajam, as estrelas são guias. Para outros, elas não passam de pequenas luzes. Para outros, os sábios, são problemas. Para o meu negociante, eram ouro. Mas todas essas estrelas se calam. Tu porém, terás estrelas como ninguém... Quero dizer: quando olhares o céu de noite, (porque habitarei uma delas e estarei rindo), então será como se todas as estrelas te rissem! E tu terás estrelas que sabem sorrir! Assim, tu te sentirás contente por me teres conhecido. Tu serás sempre meu amigo (basta olhar para o céu e estarei lá). Terás vontade de rir comigo. E abrirá, às vezes, a janela à toa, por gosto... e teus amigos ficarão espantados de ouvir-te rir olhando o céu. Sim, as estrelas, elas sempre me fazem rir!”
Antoine de Saint-Exupéry
Na mesma caixa. Uma foto e um mapa de astrologia.
No mapa, ela tinha riscado com caneta vermelha uma estrela perto da constelação ursa maior. Na, foto ela olha uma menina vestida de bailarina já esquecida junto de um menino, magro, cabelos negros e vivos olhos azuis. Atrás, estava escrito: De Lucas, que nossa estrela sempre nos guie. 1988.

Escrito no mesmo caderno.
Rio de janeiro, 8 de fevereiro de 1989.
E vem você com seus bons ventos me faz flutuar. É você que pode fazer meu mundo delirar.
E vem você fantasiando minhas noites em contos. É você que me faz ter sentimentos puros.
E vem me fazer sorrir e sonhar, não vou mais acordar, no peito vou morar.
E vem você me fazer poesia. É você que me faz um teatro de meus personagens que são seus.
É você meu ar e chão, perco o firmamento, vou além da imaginação.
É você o faz de conta que me acontece. A realidade que emudece.
E vem você me fazer silêncio. É você meu cada momento, do mundo, meu centro. E vem você, do mundo mal me guarda. Em teu peito morar.
Olha pra mim desse jeito. Vou estar guardado no peito. Escondido em secreto.
Para lucas

Ultimo ato
Ela vai por a musica lembranças de Tereza Cristina, vai sentir o cheiro de chuva cair. Em cada partícula era chuva, então, quando não podia mas sentir o saldado. Dentro dos olhos d água dele, ela pode novamente se encontrar. Ela não era uma chuva qualquer de verão. A chuva lavava os sonhos, degraus, calçadas. A Terra molhada subia as narinas, e ali ela era cada gota sobre o rosto. Ela só sossegava quando tocava os lábios do quebra nozes. E ela já se perdia. Mas não era mais aquela seca, vendo a vida passar sobre a janela. E então ela se torna chuva, e se deixa viver. E esse cheiro a leva a algum lugar da infância. Um sobrado apertado, uma casinha pequena: Uma bailarina sem o soldado. Por um momento ela vai escutar as meninas cirandarem a cantar “O Anel que tu me destes era vidro e se quebrou; o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou.” Por um momento, ela vai apagar as magoas. Ela esta no telhado, sentindo a mão do soldado de chumbo. Eles derretem à tornam-se um coração. E ela finalmente compreende que mesmo depois de morta, lá longe, a estrela continua a brilhar.

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A obra Um estrela e dois atos de Vinícius Luiz foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em www.peregrinoeopoema.blogspot.com.
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O quadro de uma família nobre.

Se junta os elementos num domingo de churrasco. Algumas ave-marias, outros pai-nossos e distribuição de afetos. Um quadro bonito para se pendurar na parede, principalmente quando se cantam juntos “Derrama senhor, derrama senhor sobre fulano seu amor”, muito bem, tudo ótimo e obrigado. Amém.
Mas na família, existe uma idosa com câncer terminal. Todos a ama, todos a quê. Então, a família nobre distribui palavras. A maioria esquece que palavras só são fortes nos atributo de seus atos.
Começo pela filha e os netos. A idosa não pode estar lá junto deles porque não poderá ser atendida pelos seus. O que adiantou uma vida de atenção e amor de uma idosa?A idosa só precisa ter saúde para melhor servir seus netos e sua filha.
Passa dia, um elemento não quer a idosa em sua casa. Alguns empurram para cá. Outros empurram para lá. Foi então que um deles deu a ideia de pôr-la em uma casa desativada ao fundo do quintal. Mas sobe um medo, e quando ela passar mal?Quem cuidará dela?É como se a velha tivesse uma doença contagiosa.
É claro, os netos são ocupados e estudiosos não possuem tempo. As meninas precisam de concentração para os concursos, não podem escutar gemidos e toses. Isso atrapalha.
De uma casa com espaço, logo se torna pequena. A idosa não tem chão. Não há rumo. Mas todos a ama.
Ama. Todos a querem de ama. Agora ela não pode mais. O que se pode fazer: uma esmola daqui, outra ali. A filha com algumas cenas de assistencialismo. Que tel levar mamãe para o hospital de carro?Mas é cansativo, a filhinha não é compreendida existem tantas tarefas para se realizar. Tarefas de se ter mais dinheiro.
Talvez num domingo qualquer. SANTO DIA, Deus resolve descansar. Eles vão à missa. Depois, vão mostrar o amor das aves. Uma piadinha daqui, outro rancor de lá, uma fofoquinha daqui, e depois vão pousar para uma foto. Um exibe sua roupa daqui, outro mostra a carteira de lá, a filha com seus carros, o menino médico, a menina passou nos concursos, o rapaz é um jogador famoso. E a velha?
O cacareco tá lá, apenas aguardando o momento e guarda com unhas e dentes o pouco que tem. Com sua força viril, materialista e egoísta: ela sempre mantém umas economias escondidas pelos colchões. Ajuntando traça por traça, ela que passa a mão enrugada nos olhos lagrimejentos. Entoa cânticos e suas novenas. Quem sabe ela pode ser curada?Mas não é só ela a doente.
De pouco a pouco, foram esquecendo a velha. Ninguém mais liga ninguém mais diz. Os netos?A idosa os ama. De manhã na missa, o padre diz o sermão: amei o próximo como a ti mesmo. E a família fecha os olhos e contempla os céus.
A velha sem asilo, sem amor foi de vez esquecida. Afinal de contas, para a sociedade só tem valor aqueles que trabalham. ahh... De vez enquanto liga um neto, pois a velha caco ainda tem uma aposentadoria. E para a maioria, o valor é associado ao ter.
O tempo só se faz em passar, as visitas diminuem, as festas não fazem barulho, as cervejas e os fumos. Todos esperam por esse momento. A velha ficará só, fraca, com dores fortes, reclamará mais uma vez da vida. Por fim, gemera. Suspiro. Fim.
Lá no sepulcro, irão derramar lágrimas e irão dizer frases de uma bíblia. E Jesus vai ser lembrado, e só nessas horas que ele aparece, né?Escreveram uma frase clichê, irão por uma foto sobre um quadro na parede. A sagrada família, e para sempre Jazira.
Chega um tempo, que o céu fecha as portas, sentimentos nada dizem, as coquistas se perdem e não há mais sentido em estátuas e roupas. A incapacidade existe para um ser do mesmo sangue, não quero nem pensar para os estranhos. Desconhecidos. Vemos não só uma velha doente, mas uma família, uma sociedade com falsos retratos e vaga moralidade.
A doença aumenta sustentada pela maior epidemia do egoísmo. Camuflada pelo puritanismo, pela intolerância e indiferença. Finalmente a doença se espalha, destrói células, causa rancores e tumores.Esses que vão apagando os filamentos de amor. E para que tantos valores?Se Chega um ponto que toda família apodrece.

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