segunda-feira, 20 de agosto de 2012

O encontro das órbitas: do caos à criação.

Coração em duas fronteiras. Eu habitado em tantos lugares, formas regulares e retangulares de vê a vida. Cigarro sobre os dedos formatando delírios de fumaças ao ar sobre o punho a bússola marcada por um vinho barato. Um pulsar viajante cronometrado pelas milhas da estrada. Vias, pontes, placas, escalas e aquedutos. Becos vielas ruas estradas morros vias avenidas saídas

Em parte estava eu ali, naquela cidade que não tinha visto, naquela parte do mundo que não conhecia olhando um desconhecido que me era tão familiar, fitando seus olhos, o seco comendo minhas palavras sobre a nostalgia de um tempo.

Cinelândia. Num restaurante que ele escolheu de vista para a rua, fitava os passantes tomando um café expresso com croissant semi-quente, quando sua presença se faz presente, fazia tempo que não via e estava bem mudado. Sua pele estava com tom típico daqueles que amavam e assim consequentemente era correspondido. Voltava de Paris mais saudável e me explicava alegremente à viagem. Eu suspeitava do que ele iria me dizer e meu coração palpitava asperamente por aquela noticia que me causava ciúmes ou náuseas de fugir. O pianista tocava algum blues que deixava o ambiente mais aconchegante e ao mesmo tempo o pesar do próximo enunciado era chumbo sobre meus ouvidos, peito e sentido- eu sabia o que ele iria anunciar, sabia prever cada sílaba dele porque o conhecia feito à palma de minhas mãos. Ficava bem quieta, porque sempre tive medo se ser engolida por sua inteligente e cultura. Sua calma de homem maduro e sábio. A forma como estuda meus movimentos quando me perguntava coisas, essa sim, era pertinente de uma fera dominando sua presa. Seus cabelos grisalhos estavam mais vivo na tonalidade do prateado cintilante. Sentia-me pequena, tão ínfima diante daquela figura que eu queria chegar próximo de ser. Agora o piano vibrava as notas de Chopin, semifusas cortavam minhas entranhas, era o preludio daquele outro concerto. Ele finalmente disse que tinha conhecido outra pessoa e que estava apaixonado e devíamos ser apenas amigos.

Violino, Bach, um simples Minuet que encheu as ruas de Porto alegre. Um mimico argentino exalava as cordas daquele instrumento.

Então ela desembaçava o óculos de aro fino e esperava por aquele desconhecido. Ele por sua vez escova os dentes com pressa, se arrumou rápido, pois teve uma noite dura perto do seu passado. Atrasado atravessa a avenida. Julia punha os óculos e escolhia um lugar fixo num modesto restaurante que não conhecia, enquanto Dan chegava à entrada e identificava a camisa vermelha que ela usaria. Finalmente os dois de frente um ao outro, dos lábios saia “você é a Julia”, “Nossa, finalmente nos conhecemos!”. Depois de longas conversas no facebook e trocas de cartas, para eles, as expectativas não existiam, Dan achava Julia linda até mais que poderia imaginar enquanto Julia não sabia calcular o balanço daquilo- só sentia uma leve sensação de preciso me entregar o mais depressa possível.

Ao fechar a porta do apartamento, os dois estavam sozinhos, a escuridão foi rompida quando Dan clica no botão na parede da entrada. Ele tenta se segurar para não beija-la, deixando a mais confortável. Julia desejava apenas um guia turístico, pois se perderia naquelas terras de um rapaz que tremia seu corpo.

Eu estava ali, era tudo ou nada. Estava pronta para por fim naquela saga de longas conversas com um estranho que desejava vê meu corpo na webcam, sempre discordava, mas estava ali para sacia-lo de uma só vez e, por fim, ele iria me esquecer. Faria exatamente como os outros, conquistaria seu objeto e depois se convenceria de que não valeria mais. Estava eu pronta para por fim, ele certamente me daria qualquer desculpa e finalmente estaria livre seguindo sem pensar mais nele. Ele poderia exerce toda sua vingança guardada sobre orgulho e me expulsar dali já que fui totalmente rude e grossa algumas vezes ao lidar com ele. Mas não o fez. Como uma cria de pasto estava pronta ao abatedouro, como um sacrifício, iria morrer de alguma forma, afinal sexo não faz parte daquelas pequenas mortes? Sentamos juntos na cama para assistimos TV, e eu só queria beija-lo, provar dos seus lábios e capitar qualquer saliva de sentimento antes que seja tarde. Beijamos, era forte, avido, químico, milhões de reações palpitando, adrenalina, algumas enzimas libertas, batimentos, sangue circulando, pele sobre pele, pelos rasando, finalmente o olhar sobre o olhar fixo- exatamente esse mesmo com poder de espelho mágico capaz de entrar na alma e arrancar partículas e fragmentos de espelhos sentidos, um trem-bala de sentimentos derrubando vias, pontes, placas, escalas e aquedutos. Becos vielas ruas estradas morros vias avenidas saídas

Os dois eram um “S” numa visão de projeto arquitetônico. Deitados na cama, colados como um, exercendo as posições sagradas do yoga. Quando Julia provava dos seus lábios poderia recordar a primeira prova da culinária alemã, ou quando um forasteiro prova de uma culinária totalmente afrodisíaca oriental ou mexicana. Daqueles lábios a mistura era agridoce, apimentada antes das interrupções do sindico do apartamento na campainha. Sua insegurança era apitada como alarme quando Dan olhava com frequência seu celular. Ela não queria atrapalhar, então resolveu dizer que achava melhor não rolar aquilo, os dois tomaram banho e foram à festa. Já podíamos dizer como dois desconhecidos naturais.

Eu olhava a ele e podia sentir a indiferença. Ele conversava muito com outras pessoas, uma conversa me parou especificamente era com a outra- ela parecida abalada e ele também, eu sentia que tinha havido algo entre eles. Depois daquele episódio, ele não mais me encarava, era como se eu não existisse. E eu nem sabia ao certo se era o desconserto dos últimos acontecimentos ou se era aquela conversa. Eu estava olhando, tentando decifrar um código de uma bomba atômica ou os mistérios da esfinge. Ele era um gringo agora. Falava outra língua que eu não dominava. Só queria ir embora daquela situação, mas algo me encorajava a ser forte e manter a situação como algo natural mesmo havendo uma fronteira entre nós. Duas fronteiras no mesmo lugar, dois lugares ao mesmo tempo. Agora eu era um forasteiro em terras que ninguém habitou, tentando sobreviver a lugares perigosos e desconhecidos. Tentando achar um mapa de sobrevivência daquela ex-mulher que marcou ou quem sabe de um tesouro que ninguém descobriu. Já não sabia se desejava não ser aquela estrangeira, mas tinha certeza que precisava fugir dali antes que seja tarde demais.

Julia estava sentada na praça olhando as arquiteturas que se assemelhava aos humanos. Homens que querem chegar aos céus, pessoas que tem paredes quebradas pelo tempo, pequenas plantas que nasciam no concreto de uma cidade como atrevida esperança. Os Museus que guardavam suas relíquias que teimavam de sobreviver ao tempo. O tempo de tentar conhecer todos os lugares mais remotos da cidade. As estatuas de lendas que assim por assim dizer sobreviviam ao tumulto das falas compulsivas do cotidiano. Prédios grandes e pequenos, juntos e separados, antigos e novos. Poluições visuais de cartazes políticos e publicitários, alguns tentando convencer que aquele produto mesmo testado em animais e causando sofrimento era o melhor. Pessoas de ternos e gravatas presas no seu próprio mundo tentando convencê-las que elas eram mais ou menos superiores que as outras, de que não valia a pena um olhar ao desconhecido, todos os dias podia Julia imaginar uma fotografia. Aquela capitação do tempo perdido. As cores do brilho da noite que tapavam o brilho natural das estrelas. Os múrmuros que aos poucos se silenciavam. As esquinas entupidas de bares e amantes, insistia no céu, uma lua que ainda procurava corações estarrecidos de paixões, então, essa lua cheia de si iluminava pequenas escuridões da cidade e quando encontrava ressalvas de corações embriagados de amor essa mesma cheia lua esvazia o a mar se recolhia como modo de respeito ao leito de um mar.

O ultimo encontro. Dan novamente convidou Julia. Seria sua ultima noite naquela cidade antes de voltar. Ele estava mais ali, parecia que as fronteiras não mais existiam, os olhares se encontravam com frequências como uma coreografia espontânea. Dali daquelas festas os dois iriam mergulhar num mundo desconhecido, num mundo de sonhos e encantos. Num mundo onde os que entram não sabem se retornarão, só sabem que ficaram mais vivos. Vivos sem qualquer ressalva de um acidente.

Ali estava eu, não queria pensar em nada, não queria o calculo como eu fazia da vida. Estávamos prontos para enterrar todas nossas questões, anular todo passado que ainda visitava como fantasma e sabendo que remorsos e rancores eram velhos amigos. Pegamos na mão um do outro no embalado dos movimentos. A combinação do toque daquelas mãos maiores que as minhas, da pele alva que clareava o escuro e de sua pele parda que se apagava. Explorando cada curva, cada atalho, cada silhueta perdida no escuro do seu corpo, uma criança brincando pela primeira vez com o presente seminovo. Sua respiração ofegante e limitada de gripe. O gosto da saliva, o toque dos dentes ao morder de leve os lábios, o fechar dos olhos e o sentir da sua língua percorrer meu corpo, o tremer dos ossos, o nariz que passa bem de leve no pescoço causando arrepio dos pelos, os dedos que passavam de vagamente enquanto ele me falava de seu passado e sua família. Ele me falava da sua infância e de suas melhores e piores lembranças, aos poucos, já não era desconhecida e nem tampouco estrangeira. E eu tentando dominar a situação, beijar seu pescoço , ele se encolhendo, revirando o jogo. Revertendo-me ao avesso, o avesso do avesso, de outro lado de mim. As últimas palavras, lampejos de confiança e esperança. Era a noite mais escura na madrugada e minha pele sentia o pior frio. Ele tentava me aquecer encolhendo em mim, eu estava entregue como um bebê em seus braços maiores e então apaguei em outros sonhos. Janelas do quarto anunciava o amanhecer. Algo dizia liberte-se. Então cansados de nossos corações sem graça, arrancamos fora. Procurando o paraíso nas curvas da vida encontramos os demônios. Se iriamos sofrer ou não, já não importava, mergulhamos no nosso mundo de sonhos dançando com os demônios e os anjos porque isso era o nascer do amor. Nossos corpos se tornando inocentes, respeitando os limites, contornando os espaços misturando ao som das confissões que o orgulho apagou e agora o sentimento que surgia ressuscitava como milagre da existência. O corpo aos poucos apagava aquela imagem do arpoador. Naquela noite tão fria em que os corpos queriam resistir ao tempo. Apagava as decepções amorosas e todos os demônios do medo, apagava as tentações e o limite da carne. Éramos duas crianças que brindavam o corpo e que não tínhamos medo do amanhã, do raiar da janela do quarto ou do avião e da despedida. Apenas duas crianças.

Então, Dan acordou para beber água, já não conseguia dormir. Resolveu olhar Julia apagada. Como Julia fazia quando não se entregava tanto. Talvez ele olhasse com tanta serenidade e calma daqueles que dominam a situação. Daqueles que sabem o que querem sentir. Mas ele olhava sua obra final. Quando amanheceu, Julia se arrumou, os dois caminhavam pelo centro até o ponto. O ultimo olhar da janela de um carro.

O vagão do metro é a perfeita metáfora para isso tudo, pensei eu, depois de um dia de trabalho cansativo e diversas perturbações no escritório. Aos poucos começava a fazer piadas das minhas situações atrapalhadas. Aos poucos me pegava rindo sozinha, aos poucos. De uma lado estava eu no vagão e de outro um enorme outdoor com a publicidade do cartão de credito- uma enorme praia paradisíaca dos sonhos, aguas tão azuis, areia branca e fina e um sol tão radiante amarelo ouro. Aquela campanha me convidava a uma viagem se eu comprasse tanto no cartão, e eu me vi ali, de férias do cotidiano, de férias da minha família, férias do pensamento repetitivo. Estaria eu por um tempo distante do que me é comum. Naquela praia perfeita estilo os filmes de Hollywood, vivenciando um sonho, talvez conhecendo um rapaz sarado e educado que me encantaria e me faria perder a cabeça. Conhecendo pessoas tão incríveis que moram léguas de distancia. Debaixo de um coqueiro bebendo daquela agua de seus frutos. Ao som de alguma musica do Hawaii e perto de Deus. Mas o vagão é o limite entre nós. O vagão é a realidade que me chama para voltar. O meu objetivo de profissão, o meu limite de cartão, as contas que chegaram ao próximo mês, à saudade daqueles que ficou, o compromisso que deixei com outras pessoas, deixei vago um espaço no meu quarto onde pessoas pedem que eu volte, deixei um rastro onde gravidade me puxa ao chão. Então, alguns diriam “mas o sonho é meu lugar”. Que mundo é esse onde você não é desafiado? Que mundo é esse onde você não conhece seus limites? Porque viver num mundo longe dos choros, onde tudo é perfeito. Qual o sentido disso tudo? É justamente no vagão que sei o meu limite e me conheço bem perto da noite. Nos momentos mais difíceis que sei o que sou é no vagão. Os sonhos nos motivam a viver, mas o vagão, ele sim é o vapor que nos alimenta.

Quando conversava com Dan na internet, ele me disse que sonhou comigo. Eu comecei a ri das possíveis coincidências. No sonho, eu o visitava na sua casa. Ele me mostrava os lugares que mais gostava de sua cidade, trocávamos carinhos, me carregava no colo e riamos. Dan me pedia que eu ficasse, mas eu dizia que teria que ir embora, pois notariam minha falta se eu não fosse. Que precisava ir. Eu sei perfeitamente disso. Escrevia qualquer coisa no teclado, mas adorando a coincidência daquele fato. Dan sempre me assustava de alguma forma com suas palavras espontâneas, até um te amo, coisa bem rara na minha vida. Nesse dia, parei, fiquei um bom tempo parada diante de uma máquina. Ponderei bastante e me perguntei: esse menino sabe o que está dizendo? O que ele quer de mim? Não tenho dinheiro. Disse que existia qualquer tipo de amor, tentando fazer a gentileza legal, mas não era qualquer tipo dizia ele. Era aquele de fugir comigo para a praia paradisíaca, era aquele do outdoor, era aquele amor do voo do pássaro. Para ele tão legitimo e real, para mim intocável, puro, atormentado, platônico e juvenil. A essa altura do campeonato precisava de coisas apalpáveis e maduras. Vivíamos em mundos diferentes novamente. De uma ponta do mapa do Brasil estava eu, num estado quente, solido, aos poucos as crateras de gelo derretia, de outro lado, estava Dan, num estado frio, gasoso nos ares, sobre o vento, quente como um vulcão. Éramos assim, comuns na arte, sensíveis ao toque de um artista, mas em mundos diferentes. Ele precisava de mim para suas criações. E eu, o tempo inteiro mantendo-me em cordas sobre o chão. Impossibilitada de qualquer entrega. Se no sonho eu fosse até a ele, quando terminava o fim do encanto, eu precisava voltar, pois aquela não era minha natureza. Dan gostava disso, mas eu queria um tiro no pé. Sou dessas pessoas que cortam o mal pela raiz, sou fria e crua. Só alimento possibilidades reais. Mas por um momento percebia que o sonho é real, pois quando se sonha tudo é capaz de ser realizar dentro de nós.

Aos sons de um ilustre desconhecido, o violino estendia-se pelo largo da carioca. Nunca tinha escutado aquilo no Rio de Janeiro. Aos poucos tudo ia ficando mais calmo numa cidade que sempre samba no pé, aos poucos as favelas iam ficando acesas. Os bares iam ficando cheios de ternos e gravatas, as luzes ganhavam a cidade e morros. O cristo cheio de luz aberto sobre meu sorriso. A fumaça de alguma grelha tampava as luzes das estrelas. Enquanto luzes de todas as janelas era da novela das nove ou dos pc’s logados no facebook. Nesse mesmo instante, as coisas ganham tamanha velocidade e tudo está próximo. Meu ser esvaziara-se e sentia tamanha indiferença, amores se formavam, pessoas conversavam umas com as outras na frente do computador mesmo morando no mesmo prédio e casa. Noticias da greve, de tantos protocolos e mensalões se perdiam com anúncios políticos e passivos dos direitos morais. Meu feed de notícias, reclamações, piadas, amores, minha única frase de expressão se perdendo num caos de um grupo, memes, musicas, pensamentos aleatórios, fotos, exibições e blábláblá. Aquela frase que postei pensando no Dan se foi como aquela ultima palavra. Talvez ele nem visse. Talvez estivesse ocupado demais com tudo isso, com todo caos de solicitações, de e-mail e de acessos.

E assim num circulo meio parecido, numa plataforma, pessoas embarcam todos os dias. Outros que acabaram de chegar, outros que receberam um abraço, pessoas que apenas partem sem planos, pessoas que ficam perdidas, pessoas que querem abraços, pessoas que a rua leva numa cidade cheias de luzes, pessoas que só querem voltar quando querem, pessoas que vão para nunca voltarem. Assim choros, despedidas, risos e alegrias, promoções, vantagens, fugas, pessoas que apenas estão olhando, vai e vem de coisas que se repetem, gente que vai, mas que desejam voltar. Nesse mesmo instante, aviões e trens vêm e vão, esses mesmos que chegam é que oferecem a partida, encontro e despedida. Amores vêm e vão. Alegrias vão e vêm como uma roda gigante. O destino ou sorte nos impulsa e nos retém ao caos. Um encontro apenas é acaso, dois encontros numa via o que chamaria os deuses de destino.

O que me restará se não for engolida por esse buraco negro da vida? Ou tentar marcar meu espaço ou ir de vez nessa única viagem? Sabe aquele momento que você marca um encontro e é recebida com um bolo. E você se pergunta: onde errei em acreditar demais? Eu ser eu mesma? Parabéns para você! Bolo de aniversário, êêê...

Então, você gasta todo aquele tempo acreditando, vivenciando aquilo, percebe que foi uma completa idiota ao cancelar todos os compromissos, ao pegar um ônibus lotado, talvez me preparado num dia de chuva e fim. Aquela viagem perdida. Ninguém apareceu no encontro. Mas acredito que a viagem perdida sofre aqueles que estão na vida e nem sabe o porquê. Esses mesmo que não levam nada a serio- medo de compromissos, de relacionamentos e de expor suas opiniões. Esses que já não querem lembrar-se de nada, qualquer sentimento é pueril demais, frágil o suficiente, respirar já é demais. Perdendo viagem, estão aqueles que tudo pode esperar, aquele livro, aquele amigo, aquela semana de mudar de roupa e de fazer aquela dieta. Aqueles que gastam mais tempo com a vida dos outros do que com a sua. Lembra-se de um passado e esquecendo coisas por medo de doar-se demais. E lamentavelmente estão perdendo a viagem àqueles que estão prontos para serem engolidos por esse caos, por essa timeline e destino. Esses que estão sempre reclamando do tedio a mercê das garras do tempo.

Outro dia, estava eu em casa com minha solidão assistindo um filme da Julia Roberts sobre uma mulher que cansada de sua vida que viaja para Itália para comer, para índia para rezar e na indonésia encontrava seu amor. No fim das contas era uma viagem dentro dela mesma. Imaginei que aqueles que lessem um livro fossem capazes de fazer outra viagem, mas sem sair do lugar. Fiquei imaginado que às vezes as pessoas nem precisam viajar fisicamente. Algumas viagens que faço e ir aos domingos na feira. Sobre aquele mundo de pessoas desesperadas por promoções e roupas. Olhos sobre pousados nas prateleiras e no mar colorido das barracas, no meu caminho, crianças, idosos, pessoas que param do nada e que conversam sem presa sem pensar nos outros passantes, engarrafamento de gente, todas ali sem estar, quando uma senhora me confunde com Beatriz falando como se eu fosse essa tal, quando se tocou que eu não era Beatriz continuou sem estar ali. Talvez seja como ir ao Shopping, um lugar fechado como uma caverna onde você só tem a opção de olhar as vitrines e o ideal social. É um desligar do mundo, uma nova forma de terapia. Talvez Dan fosse assim, desligado e esquecido porque tem muitas opções. Tantas vitrines, tantas barracas, produtos coloridos e pequenos, roupas largas, baratas ou caras. As pessoas andam esquecendo com facilidade, andam perdidas como o tempo, largadas ao leu desse caos de feira e caverna. Então, a sua importância e todo seu legado são medidos por essa enorme quantidade ou essa avidez assombrosa de querer as coisas com mais facilidade e rapidez. Toda vez que olha para as pessoas vejo um pouco disso e não seria diferente ao Dan- sempre distraído suficiente dentro de uma caverna de barracas e vitrines.

Hoje peguei as coisas que Dan me deu por carta, hoje reli tudo que conversamos no histórico e tentei traçar uma explicação totalmente inútil. Pensei em quantos casais e amigos que se tornam estranhos naturais um ao outro, pessoas que passam perto das outras sem nem ao menos dizer “bom dia”, mas que num tempo remoto foram tão amigos inseparáveis. Pessoas que dividem o mesmo teto e são incapazes de saber como são os outros moradores. Pessoas que se olham normal, sem nenhum olhar de curiosidade e surpresa. Casais que se tornaram tão comuns quanto a luzes da cidade na noite de sexta. Filhos e pais que não se tocam. Que diminuem o numero de postagens e status intermináveis de relacionamentos. Pessoas que numa noite de bar, num estado diferente, num mundo oposto se tocaram e ao acabar a magia dos sonhos que unia os dois mundos fingem mais que não se conhecem. Como se nada tivesse acontecido. Todos estão prontos a oferecer a indiferença porque ela é superior e normal. E naturalmente Dan irá fingir não se importar, o tempo dirá que não sente nada, talvez irei lembrar menos dele, dizendo a mim mesma que ele era a pessoa errada, mas aos poucos, tudo isso fica mesclado em mim. Aos poucos Dan não ligará, mas nunca dirá que não sente nada. Sempre muito simpático e diplomático para isso, quanto a mim, uma péssima jogadora que nem sabe ser a manipuladora. O pouco poderá ser muito ou o muito poderá ser nada. Disso pouca importa, as coisas ganham proporções grandiosas quando quero. E dentro dessas superfícies espelhadas estarão lá, esperando o momento do meu embarque. O momento que fecharei os olhos para seu encontro.

Dou uma pequena pausa e respiro. Espalhadas pela minha mesa de escritório estão minha planilha, uma maquete, meus desenhos e a pauta. De repente me dou conta do tempo e vejo que trabalhei demais- planejar detalhes de uma casa não é a mesma coisa do que ter nas mãos a vida. Vou até a cozinha e pego um café para fumar e ao voltar à sala ligo a TV para zapear. Paro num documentário sobre cometas. Gosto desse tema, milhões de galáxias e planetas. Fico imaginando que não sou a única, que além dos meus problemas e decepções medíocres existe uma infinidade estrelas que nascem. Que não só existe meu mundo. Fico imaginando o cometa Halley viajando todos esses buracos negros de galáxias. E que nenhuma estrela tem a preocupação de lutar contra o buraco negro que irá engoli-la, pelo contrario, ela deixa de existir e seu brilho continua ecoando no tempo até chegar ao nosso céu. Dizem que o universo contrai e que descontrai, e quando ele encolher, seremos engolidos pelo caos, ao contrair surgirá outro big bang. Fico pensando que dentro de meu sangue deve ter o mesmo material que formou uma estrela. E algumas estrelas se encontram uma com a outra milhões e milhões de anos. Por exemplo, o Halley com sua órbita passará pela superfície da terra há alguma década bem distante no futuro. Então às vezes os encontros amorosos são parecidos com o espaço, existe um buraco negro que quer nos engolir, mas o brilho de uma estrela ultrapassa um tempo que não existe no vaco, ou seja, lá o que for. Para um cometa encontrar sua órbita isso pode ser um único encontro, visto por poucos, em determinadas horas de eclipse com uma luneta especial. Esse mesmo cometa que o pequeno príncipe pegou carona em busca de algo que lhe cativasse. Essas mesmas estrelas que são tão mais vivas e cheias numa cidade do interior onde fico deitada olhando da janela do ônibus numa viagem, pensando onde estaria àquela pessoa que dará algum sentido, pensando nos milhões e milhões de chances, mínima chance, porcentagem distantes umas das outras. Na cidade do interior onde os habitantes dizem observar discos voadores com certo olhar ingênuo sobre o que é vida. Logo, boa parte desse nosso interior ainda acredita na existência de vida, mesmo não havendo possibilidade em espaços desertos. Será que existe vida fora dessa terra? Ficamos contemplando os céus estrelados acreditando sempre nesses encontros e viagens imaginárias que nos salvaram dos buracos negros. Os planetas meio que esperam esse momento de realinhar, um momento que para os que vivemos a base de um padrão chamado tempo é quase eterno, mas talvez no espaço nada seja longo, talvez tudo passe como a velocidade da luz. Talvez um dia Dan e eu possamos nos encontrar como dois cometas, nossas orbitas possam se colidir e dessa explosão surgi novas estrelas nos espaços vazios. E desse encontro que se estenderá a uma eternidade, depois de milhões de anos, essa mesma estrela passará pela terra inspirando poetas e apaixonados.

As digitais de Dan ainda estão em minhas mãos. Interminavelmente toco naquelas cartas. E quem dirá, surgirá um som de um violino na viela. As luzes se acenderão como vagalumes. O vento será brisa. O sonho me convida para um embarque. Horas intermináveis para planejar novamente aquele sonho e aquela viagem. De tentar o que não deu certo, de se permitir. No meu apartamento desligo o PC e começo a uma viagem em mim mesma. Sinto que não tenho tempo para adiar. A saudade é o passaporte para a utopia.

E essas tentativas vans de esquecimento, de tampar a ausência, de reviver um passado e aparentar a frieza são abafadas pelas palavras sentidas. Porque é exatamente esse mesmo olhar que reflete a criança perdida que penetra no escuro nos lados mais trevoso e chama todo caos para brincar. Sem medo eles vão tremendo nas linhas do destino, sem se importar se estão embolados, picotados, amarrados ou triturados. As crianças vão inocentes na noite mais fria do ano chamar os monstros para se libertarem. E quando estou de frente para todas essas lembranças me sinto pronta para reviver aqueles olhares que descobrem as cortinas da alma me revelando um palco onde Dan vai estar me esperando. Estaremos calmos e serenos para partir numa única viagem de algo preso no olhar que se solta sem que nada peça. Unindo pontas e mais ponta da distancia, revelando ausência tão presente em mim e preenchendo as lacunas com uma enorme cascata. O encontro das órbitas das nossas retinas.

Então as luzes acendem as cidades e outras luzes saem dos nossos olhos somente dentro de tal espelho surge uma estrela cadente que transpassa vias, pontes, placas, escalas e aquedutos. Becos vielas ruas estradas morros vias avenidas saídas