domingo, 18 de setembro de 2011

Escadas da narrativa ou um texto sem título.

Uma praça matriz bem no centro de uma cidade. Muitas pessoas cruzam todos os dias. Ali, os estudantes costumam passar o tempo dos intervalos e os aposentados passam o tempo que lhes falta. O mais interessante é vê as fotos que ali são tiradas.
Sei que muitas fotos ali já foram feitas. Mas uma mãe bem afeiçoada traz as crianças para curtir um piquenique de maneira simples e graciosa como nas boas famílias. O pai esbanja um enorme sorriso ao empinar a pipa sobre o céu. As crianças (que são seis) acompanham boquiabertas. E es que de repente surge a cena, a família se reúne em algum centro e o pai pede a qualquer passante simpático que lhe tire a foto. Flash!
Como que se pudesse guardar aquele momento para sempre. A imobilidade de um sorriso. As pipas listradas e o gramado de domingo. O instante é. Tudo aquilo para sempre parado- jamais se chegaria à velhice e nem a tristeza e nem a doença e nem. Será que poderia chamar isso de nada? Essa foto que toda a família esta reunida imortalizada ecoa. Assim são as vidas e pequenas fotos. Sei saber que entrelaçam outras fotos tão sem importâncias para passantes e mais passantes.
Em outro canto, vejo um promissor talentoso rapaz que aprecia as artes e que costuma a ganhar trocados para suas farras expondo seus quadros de pintura sobre o óleo. Seus toques suaves de semideus pincelam a tela virgem. E como uma brincadeira, ele tenta recompor aquele ambiente. Namorados. Cachorros que pegam o disco giratório no ar. Pessoas que leem livros. Pessoas que riem. Pessoas que andam de barco no lago. Pessoas que tomam sorvete. E aquela família que tirava foto como que numa graça divina é reproduzida na tela de pintura sem sentir. Sem entender e nem ao menos sabe o nome do pintor. É claro que o pintor havia sentido seu jovem coração pulsar, afinal artista precisão de inspiração, e naquele dia, uma jovem menina de Blusa cor do céu passava e deixava sua marca.
A jovem menina de blusa cor do céu tinha uma enorme preocupação- seu ciclo menstrual estava atrasado há algumas semanas e ela tinha muitas duvidas em mente. Ela queria apenas ter a certeza que não era aquilo que ela pensava. Dentro da bolsa estava o resultado, mas não tinha nenhuma coragem de abri-lo. Respirou fundo e olhou para os lados. Achou um banco comum e sentou-se.
Uma senhora catadora de papelão via uma menina de blusa cor do céu ao longe chorando no telefone e ela parecia muito mal. Quando se aproximou do banco, ela já tinha ido embora aos prantos. Mas ela havia deixado...
Virginia parou nessa frase. Estava cansada e já escrevera muitas coisas. Tentava lembrar-se das imagens que via de sua janela naquele dia. Olhou o relógio do criado mudo, marcava onze e meia da noite. Teria que palestrar no dia seguinte e seus olhos pregavam as pálpebras duras. Como muito esforço, ela tentava se lembrar de qual seria o destino daquela jovem menina de blusa cor de céu. Olhou para o lado e viu uma pilha de papeis. Começou a fuçar sem nenhuma pretensão- as folhas desbotadas que ali estavam era um resumo de uma faxina sem sucesso. Virginia era uma mulher espiritualizada e certa vez leu que arrumar o armário e jogar coisas velhas folhas era presságio para o novo chegar. E Virginia queria o novo. Era isso que esperava como fome voraz. Olhou para seu conto sem nenhum apetite de termina-lo e não sentia a menor simpatia por ele. Levantou e foi beber água.
Retornou ao quarto novamente quando se lembrou de por um titulo ao conto. Olhou novamente para tralha de papeis. Fuçou e chegou a anotações de romances que pretendia escrever. Aquela altura se perguntou por que não? Mas achou as intensões um tanto ingênua. Ela era uma mulher consagrada no oficio e tinha um nome a zelar. Olhou cartas. Lembrou-se dos amores. E sempre por um acaso qualquer é aquele menino impossível que a marcou que estava perdido não somente em pilhas de papeis usados mais no surrado coração principalmente.
Olhou as letras e cheirou tentando trazer na mente aquele dia. Um menino tímido que entregava a carta num bar da faculdade com um sorriso dizendo que aquele poema era dela.
Voltou para o quarto. Vazio. Talvez fosse assombrado. Sentiu um gosto salgado na boca e logo percebeu que se tratava de sangue. Logo, levou as mãos à boca e uma bolha enorme de sangue cai na palma. Achou estranho, mas logo lembrou de que não era a primeira vez que isso tinha acontecido. Foi ao banheiro e olhou-se no espelho e começou a lava a boca. O ralo se enchia de sangue e a pia de branca tornou-se vermelha.
Votou ao quarto. Precisava terminar o conto.
A senhora catadora de papelão encontrou papeis sobre o chão rasgados. Ajuntou pacientemente como se fosse o criador e pode criar novamente um poema de amor.
Aquela senhora costumava a catar objetos e coisas perdidas que julgava um tanto sentimental daquela praça. Entre essas coisas tinha uma foto rasgada de uma família de oitos pessoas e um lindo quadro a óleo que reproduzia aquela praça. Entre todos os objetos tinha um que ela deseja entregar ao verdadeiro dono...
Ela estava aflita e fitava o relógio. A todo o momento recebi muitas visitas, mas não podia falhar naquela cerimonia que estava marcada. De fato, iria anunciar uma grande noticia.
Começou a preparar as coisas, primeiro, olhou a lista e deu ordem as criadas. Depois foi a cozinha e quis preparar o bolo. Com toda calma do mundo separou os ingredientes, pois era um costume ser perfeccionista para ocupar a mente. Necessitava de elogios, de cortejos e de atenção para afastar de si às horas mais obscuras do dia.
Os ingredientes caiam aos poucos na vasilha assim como os pensamentos mais borbulhantes e secretos que tentava ocultar no ID. Por que a necessidade das festas? Por que a necessidade de estar cercada de pessoas? Como se isso lhe assegurasse o esquecimento e a alegria ainda que momentânea. Sentiu que seria a tampa para um amargo vazio. Sentiu repentinas ânsias, mas esforçou-se para não vomitar. Devia estar bonita e bela para aquela noite- iria mostrar a todos convidados sua casa elegante, seus artifícios luxuosos e sua pintada alegria. Queria que todos vissem com uma estampada vaidade o seu marido bonito e rico- sim, ela era capaz de conseguir alguém que a sociedade exigia aos mais promissores talentosos. Queria que todos vissem seu sorriso e os beijos de amor que ela sempre sonhara.
A massa ganhou forma homogênea e, então, ela sentiu fincadas na barriga. Pensou em crianças, pois gostava de admirá-las. Seu marido não aprecia o gosto, muito menos labradores o agradavam, pois davam trabalho e gastos. Era mais uma boca e ele era um homem promissor em negócios e sabia o quanto um detalhe fazia falta nos balanços mensais.
Quando terminará de confeitar o bolo, subiu ao seu quarto para arrumar seu corpo como convinha uma atraente dama. Vestiu uma blusa azul cor do céu- a preferida do marido. E olhou-se no espelho. Asilou a barriga e se sentiu pronta quando a empregada disse que boa parte dos convidados estava no salão. Desceu.
Eram tantos sorrisos e tão poucos que alcançavam dentro da alma. Uma mulher famosa beijava o resto para supor a um tabloide que a conhecia. Beijos. Judas, mas não haveria nenhum cristo crucificado e nem profanidade. Havia sim o status que pagamos. Havia sim o alto e fino brilho de uma estampa. As águas tão claras lavavam as mãos de Pilatos. Em seu amago, vinha uma profunda tristeza. Talvez sentisse um preludio ao pior. E se seu marido não gostasse de surpresas? E se nada desse certo?
Os risos arrancavam da testa a certeza de que ela era a melhor. De que o pedestal seria somente dela. Ela sentia isso- uma profunda raiva de quem quisesse seu lugar. Os risos bem ao fundo queriam sorrir pelo enorme tombo que ela poderia levar ao descer as escadas. Os aplausos queriam aplaudir um enorme barraco de tapas que ela poderia exercer com seu marido. Mas não, não daria o gosto.
Ao fundo, as barreias e carros blindados não serviam de nada. Nenhum tratamento anti-sinais e estresse poderiam eliminar a mortalidade do artificio. A máquina de enormes tubos que é o corpo, como seus diversos fios condutores e canais. Sabia que não podia segurar tudo sobre o vento, mas não processava essa informação, iria de qualquer forma ser tudo. Mostraria isso a todos. Os risos das mulheres que desejam seu cabelo e sua vida lhe agradavam. Os risos mais secos e miasmáticos que contundiam os tubos- sangue entupia sobre as veias. É o artificial corpo que também mostrava sinais robóticos sobre os sentimentos.
Ao certo, todos aqueles amigos de nada serviam quando tudo que lhe foi artificio e máquina tiver um pane. Os sorrisos em seu intimo dizia que eles sabiam chegar onde queriam. Todos sabiam com quem falar e quais vias, escadas e tubos atravessarem para chegar o mais rápido antes que os restos cheguem à ultima posição. Todos os amigos de nada lhe serviam quando o dinheiro acabasse e os rumores das festas chegarem ao fim. Todas as luzes iriam se apagar. Todo o homem não lhe poderia adiantar- por maior que seja o pênis.
Então o rastear do tempo, resplandecer dos olhos transparecia de que nada poderia esperar de seus amigos. Nada de ninguém. Nada precisava dela. As horas obscuras chegaram e ela temia. Sabia que seu marido acabara de chegar à festa pelo murmúrio das vozes. Mas queria sentir o choro, cansada estava dos risos. Os risos eram o mau sinal. Quando tudo vai bem, suspeite de que algo ruim chegará em breve. Onde ela lera isso mesmo? Precisava ir ao banheiro e não ia demorar nem mais um segundo.

Chegou lá. Olhou-se no espelho e as lágrimas brotaram dos olhos. As lágrimas brilhavam turvas e calmas. Dentro do espelhar das gotas podia vê. Podia vê o quando era doente. Onde ela poderia ir. E quando a festa acabar? Quem irá segurar sua mão para dominar os pesadelos? AS Insônias? Como controlar tudo isso- o medo de perder o marido e de ficar pobre. Olhou para as pernas e viu sangue. Não podia acreditar que por debaixo de sua cara saia jorrava sangue. As crianças pulavam amarelinha numa largada fachada de cimento. Era um calor escaldante e os mais velhos reclamavam do horário de verão que mudaria a meia noite. Um sentimento puro brotava quando via pequenas crianças rirem. O riso puro de uma criança- dizem que uma fada nasce assim como uma estrela, basta uma criança nascida ri. Ela estava trancada nos próprios muros, no próprio ego, nos subterfúgios que criara para a fuga. Queria esquecer tantas coisas, mas aquele sangue era real. Tocou e sujou a alva mãe de puro escarlate. Sangue carmesim de um imaturo cordeiro.
Chorou. Não! Aquilo não podia acontecer... Seu sonho. As mãozinhas em miniatura. Pedaços começaram a descer das pernas como vomito- era uma mistura de pequenas migalhas de miolo de pão sobre o molho vermelho. Suas lágrimas eram tão fortes e o desejo da morte crescia cada vez mais. Quando viu uma pequena bola de sangue. Será saborosa? Seria a salvação? Seria a Hóstia? Será salgada? Queria ser salva e comeria aquilo de novo- aquilo teria que voltar ao corpo. Parecia um grande nódulo de tumor que estava enraizado pelos risos artificiais produzidos pela grande maquina do corpo. Pegou com cuidado entre as mãos e levou à boca.
Virginia acordou suada e assustada. Um pesadelo que a levava a correr quilômetros de um grande maníaco que a queria matar. Ofegava com velocidade e rapidez. Não, o sonho não avia comprido seu papel- ela se lembrava de cada parte e sentimento como se fosse vivo. Achou que seria melhor ir à cozinha e beber um copo de água.
Quando voltou, sentiu sua boca o gosto salgado do sangue e foi ao banheiro do quarto e começou a cuspir no ralo. Olhava no espelho e via as olheiras assombrosas. Nunca tinha vivenciado um sonho tão intenso e que lhe perturbava os sentidos. Decidiu que iria ao medico quando amanhecesse e naquela noite não conseguiria pregar mais os olhos.
Olhava o teto mergulhando em tristes lembranças de artista. Levantou-se e foi ao quarto que não frequentava há muito tempo. Abriu a porta da solidão, andou pelo corredor escuro e sem criados. Tocou na fria maçaneta e abriu a alma. Entrou num compartimento infantil. Havia um berço e enxovais seminovos que pelo estado nunca foi usado. Brinquedos cor de azul e verde. Ela tocou nas fotos e começou a chorar. Desesperada torcia para que o dia ganhasse força. Precisava daquilo.
Quando dormiu sobre o chão agarrada pelo urso de pelúcia os primeiros raios de sol tocou a pele húmida e aos poucos abria os olhos. Logo se levantou, disfarçou longas camadas de sofrimento com maquiagem e vestiu-se elegantemente. Pediu um taxi e chegou ao hospital.
Ficou alguns minutos sentada na sala de espera. Olhava as mães e seus filhos. Olhava os anciães com suas enfermeiras e tentava tirar algum resquício de aprendizado daquilo. Tentava guardar os gestos e jeitos. O medico a chama pelo nome e logo receita um encaminhamento para a psiquiatria e uma lista grande de exames. Ela sai turbulenta e pega outro taxi.
Sabia que pagava caro pela escolha da solidão e isso lhe trouxera mazelas no corpo. Tentou pensar no destino daquele conto ridículo e pediu o taxi para que parecesse na praça. Pagou e o dispensou.
Sentou-se num banco e começou anotar algumas ideias. Era inevitável o pensar. E sentiu uma vontade súbita de por fim aquilo. Jamais se perdoaria. Jamais. Decidiu e seria naquele dia. Quando estava pronta para ir embora levou um susto. Tinha uma velha mendiga catadora de papelão na sua frente muito maltrapilha como num filme de terror. Elas ficaram paradas uma para outra sem a menor reação. Quando a velha levanta a mão e entrega um papel. Ela pega e sai do eixo às pressas. Quando estava dentro de outro taxi abriu o papel que era um folhetim dizendo Jesus te ama.
Natan estava mergulhado naquele livro. E não conseguia entender o porquê Virginia não se perdoava e o que ela tinha decidido naquele dia.
Todos os dias ele fazia a mesma rotina. Estava de férias e não queria voltar a dar plantões naquele encardido hospital tão cedo. Escolheu um hotel rural e velho. Diariamente, saia, comprava um jornal e sentava no banco do salão nobre. Subia o elevador e via uma criança o fitar com olhar de medo. A criança cutucava a mãe e a ela brigava com a criança. Abria o quarto e tentava deixar tudo sobre o controle. Fechava as janelas, pois o clima daquele lugar não era um dos melhores. Era um céu muito cinzento e as pessoas eram um tanto estranhas. Algumas falavam o básico e outras nada diziam. E o mais esquisito era que outras pessoas não costumavam a olhar nos olhos. Natan nunca se importou com aquilo, já que era frio e sua profissão também exigia a falta de sentimento. Natan era jovem e atraente. A sua personalidade é marcada por querer ser o melhor. Não é por sua culpa, já que fomos criados para sermos o robô numero um. E não bastam você ser um servente, todos nasceram para dominar e mandar. Como se o mundo só precisasse de pessoas que reinam e que as tarefas manuais e simples são inúteis. Como que só houvesse uma única casta eleita e escolhida pelos céus e era nesse sentido que Natan se achava especial. Qualquer pensamento contrário ao seu era inferior e ele era bem seleto com as pessoas. De fato, ele era um jovem bem culto e já tinha uma pilha de livros em seu histórico pessoal.
O que marcava Natan era a tentativa de lembrar as coisas. Sempre fora um homem inteligente e lembrava facilmente de qualquer detalhe. Mas esquecia de simples detalhes como onde guardou sua caneta ou até mesmo quando deveria voltar de férias. Tentava não pensar nisso, pois evitava. Não queria se sentir ridículo e menor por esquecer-se de coisas banais. As camareiras já não visitavam seu quarto e isso o incomodava. Reclamava todos os dias no telefone e limpava seu quarto. Detestava desorganização e já havia acostumado com o correto jeito de ordem.
Naquele dia o dia desse jovem rapaz mudaria, saiu como de costume. Vestiu o melhor paletó para impressionar e foi. Estava tudo sobre o controle dizia a si mesmo. Olhava o espelho e se sentia perfeito. Foi até o jornaleiro que pouco o encarou e pegou o jornal. Andou e sentou-se na praça. Sentiu uma sensação de estranhamento. Que bizarro- ele não pagou o jornal e ninguém disse nada. Havia esquecido de pagar o jornal. Foi até o jornaleiro e disse que se esquecia do dinheiro. O homem fez pouco caso. Naquele instante, sangue de Natan subiu. Estava com sua melhor roupa, tinha dinheiro e era um sucedido medico para ser desprezado por um simples jornaleiro. Disse barbaridades, mas nada foi feito. O homem continuava como se nada tivesse acontecido. Pegou todo dinheiro da carteira e jogou na cara do homem e disse que poderia comprar a banca inteira. O homem ficou parado alguns minutos olhando reto em direção a Natan. E ele achou que era o momento certo de retribuir o desprezo e sair em triunfo final.
Natan sentou-se no banco que costumava sentar. Abriu o jornal e sentiu novamente o estranho. Algo escapava de suas mãos e isso o incomodava. Não. Ele já havia lido aquilo. Levantou-se e foi subir para seu quarto. Esbarrou na moça elegante de vermelho. Não. Aquilo já tinha acontecido. Abriu a porteira do elevador. Natan sentiu medo. O que estava acontecendo? Quando abriu a porta do andar que desejava viu a senhora com seu filho. O menino sentiu medo e agarrou as saias da mãe. Natan fez uma língua e saiu. O menino danou-se a chorar alto que encheu o corredor de barulho. A mãe dizia já disse que não tem nada aqui. E ele achou um insulta e decidiu que iria embora daquele lugar de pessoas mal educadas que o desprezava.
Chegou ao quarto e decidiu fazer uma de suas leituras e pegou o livro. Virginia estava no quarto pronta para o suicídio. Cuspia muitas bolas de sangue e sabia que iria morrer. Pensou no seu marido. Quando Natan leu essa linha sentiu uma fisgada. Pensou: Virginia precisa se perdoar por nunca ter me dado um bebê. E começou a lembrar-se que conhecia Virginia e que amava. Pousou os olhos na linha que Virginia dá um tiro na boca e largou o livro. Não. Já tinha lido aquilo. E Virginia não havia se perdoado e eles não tiveram filhos. Algo escapava das mãos de Natan. Ele poderia enlouquecer? Onde está Virginia? Olhou o quarto organizado e via de que nada poderia por a ordem que mais desejava. Correndo saiu daquele quarto e foi correndo no corredor deserto gritando socorro. Alguém precisava socorrer sua amada Virginia. Foi quando decidiu rabiscar o livro e escrever outra coisa.
Abriu a porta. Pegou o livro e tudo foi tão claro como nunca tinha sido antes. Natan lembrou-se de quando beijou Virginia pela ultima vez e quando saiu para o plantão. Nesse dia, tinha sido assaltado e levou um tiro no peito. Não. Ele não estaria morto. Olhou em volta e tocaram a campainha. Natan sentia muita dor de cabeça e alguém abriu a porta.
- Desculpe Sr. Natan. Pensei que demoraria mais tempo para que o percebesse seu estado. Geralmente pessoas como você demoram anos para perceberem- era um senhor de idade que lhe falava e que tinha feições serias. Continuou:
- Bom, aqui não é um lugar de descanso. Mas precisa ir para um hospital e cuidar de sua saúde mental. Acredito que poderá sofrer com isso.
Natan olhou o velho e não poderia acreditar. Não. Aquilo era um sonho e imediatamente deveria acordar. Fechou os olhos. Contou. Um. Dois. Três. Quatro. Abriu e viu muitas pessoas. O dia não era mais nublado-Era um lindo dia de sol. Saiu de seu quarto e viu um corredor repleto de funcionários uniformizados e pessoas felizes. E tudo escapara de seu controle e por alguns instante sentia a dor, pois nenhuma daquelas pessoas se importava e nem notava sua elegante presença.

Criam-se personagens, caro leitor, como Natan e Virginia e eles ganha vida própria. O que dizer das interferências de deusa pagã de Virginia nas estórias da praça matriz e da bela mulher de blusa azul cor de céu? O mesmo não pode dizer de Natan, pois era um leitor da vida de Virginia, alguém já havia escrito uma cópia - se não foi à própria que o fez. De fato pequenas estórias contribuem para grandes estórias que não sabemos e que nem ao menos nos damos conta. Essas são fotos, livros, filmes, pessoas, lugares e tantos pontos e vírgulas. Nunca nos damos conta de que uma simples frase ouvida pode mudar o percurso de nossa linha.
Você deve estar perplexo com as interferências que fiz na estória. Mas não sou o autor- ele morreu no inicio da primeira frase desse conto. Sou apenas um narrador ou digamos algo que liga o seu consciente. Creio que nesse momento que lhe conto milhões de sentimentos, livros e experiências que vivenciou se abrem junto com cada página. E de fato, meu leitor, iras criar uma nova visão em cima dessas linhas e letras que talvez expresse outro sentimento para você- um sentido que será só seu. O que peço é que escute a voz perto de seu ouvido. E se permita chegar onde quero para que possamos dar um fim a esse... Vejamos: conto.
Eu posso imaginar que talvez você sinta medo, antes de dormir, deva imaginar a existência de fantasmas e mais encostos malignos que possam de alguma forma influenciar seu conto. E se seu livro pessoal já estiver escrito e alguém estiver lendo? E se de alguma forma pessoas das quais sua limitada visão não consiga enxergar esteja participando de sua estória? E se em outro lugar o que é chamado de realidade possa existir e tudo isso que vivencias não passa de um sonho? Será bem que você é o vivo da estória? E se fores tu o morto e em outro canto existir vivos? Deixa apenas os mortos enterrar seus mortos! Escute isso e pronto.
O fato de estar sozinho em frente ao computador ou de frente a um livro, não pode significar a certeza. O fato de você poder apalpar uma substância solida e ter visivelmente a percepção da linha de um percurso não é direito para descarta possibilidades. Não olhe para os lados agora, leia primeiro. Tenho certeza que tem alguém aí pedindo que você enxergue os fatos que estão debaixo de seu nariz. Por mais que tu queiras que suas ações sejam de semideus e que tudo esteja no controle de suas mãos, nunca será. Esqueceu o guarda-chuva e veio um temporal de verão. E nunca será capaz de entrar na mente de alguém e nunca será capaz de compreender as maiores camadas de inconsciente. Existem coisas que mudam em você, desejos que apareceram, traumas que nem sabia que existia e nunca estará satisfeito por mais que tenha um aparente controle. Poderás sonhar outros sonhos, montar outra pauta de vida para conquistar e até mesmo pode se jogar na natureza sem destino só chegaras a um destino que é a falta das lacunas que formou seu eu.
E seu um louco tiver certo? Já imaginou se as ficções da mente de um louco for uma realidade? Sim, aquela estória faz sentido para louco- Essa é a verdade dele. E se por um acaso qualquer um louco for um intermediário entre uma realidade maior que não possamos compreender? Que nossa imaginação não possa alcançar. Já parou para pensar que os grandes gênios dessa nossa narração planetária foram tidos como loucos?
O que traz tanta certeza a você, leitor? Talvez seja mais fácil dizer que tudo isso é mentira e uma enorme bobagem. Essa é uma forma de fuga comum aos seres humanos. É mais saudável e feliz você olhar apenas para sua linha da vida e fazer de tudo para que ela seja preenchida. Mas se você morrer amanhã? E se o instante de nossa morte for esse instante? Dizem os franceses que a vida é feita de pequenas mortes. Nesses instantes é o que desejo chegar. E ainda sim matarei você quando chegar a ultima frase desse conto e sentirás porque te disse. Somente porque anunciei.
Um homem de fato ira morrer em você, meu leitor, e nascerá outra coisa que não terá o controle assim como Virginia e Natan. Diferente do jovem pintor promissor que tinha outra visão da praça. E não é a sua visão que importa e nem a verdade. Mas é o quadro cubista de todas as visões que contam essa estória.
Contar uma estória sempre será saber mentir. Afinal, foi essa mentira que sustentou a humanidade inteira e sustentará. Quando de fato, a família tirou uma foto na praça matriz fez um recorte do real momento. Quando uma fofoca é alcançada por milhares de ouvidos e logo distorcida para alimentar corações perversos e sustentar uma fantasia é uma forma de manter o homem de pé. Você talvez, meu leitor, seja um adulto e reclama das crianças quando elas inventam um bicho-papão. Mas é normal, você também faz isso! Mentiras e crianças podem ser impertinentes mais elas são essências para que nossa maior ficção continue. Mas jamais se esqueça, caro leitor, que por mais que seja mentira sempre ouve primícias que a sustenta. Um dia numa praça matriz alguém faz um ato banal e os olhos e ouvidos construíram nossos pilares. Nosso tripé e sustância essencial para dizermos que somos algo, que temos um passado e sabemos para onde vamos. Pois buscamos essa certeza sempre. E se minha narração não passar de uma coisa de sua mente? Será que de fato entendeu minha mensagem que pretendia escrever no inicio do conto? Como chegar ao real? Será que essa palavra dá conta de todo significado que acarreta seu signo? Não meu caro, nunca chegaremos. Algo nos escapa das mãos. E essa possibilidade que faz a vida mais interessante e é esse caminho que me enche os pulmões de uma profunda graça. Essa alegria vagabunda que faz meu vaso cair ao chão e distribuir cacos. E tenho certeza que os deuses riem disso, talvez sejamos marionetes em suas mãos. De fato, a arte tenta imitar isso, mas ela também escorrega entre os dedos. Por mais que um autor morra e por mais que um narrador se ausente- É você, caro leitor, que levará os cacos disso. Mas logo me vem uma angustia- Como Dizer a mim mesmo que tudo isso que me aconteceu não passou de um mero sonho?


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