quarta-feira, 24 de julho de 2013

A fé e o gato de Cheshire


É muito fácil reproduzir as regras de uma gramática assim como as expressões e os cálculos matemáticos. Qualquer ser Humano disciplinado e dedicado consegue chegar a tal efeito. Mas não é sobre isso que gostaria de falar nesta crônica, é o contrário de toda esta retórica, é justamente o questionar-se. A questão em si.

O maior problema do mundo é a reprodução. Disse esta frase de propósito, porque quero problematizar todos os efeitos dela. Pensando assim, o mais difícil e sofisticado para a inteligência humana é questionar-se. Em determinados momentos, parece afronta perguntar, indagar e investigar para muitas pessoas- se não for à maioria delas.

Todavia, difícil é questionar as regras da gramática, refletir e propor outras regras. Talvez seja afronta refletir o papel dos cálculos e expressões na sociedade. É muito mais confortável aceitar tudo isso e tornar-se o melhor aluno produzindo as mesmas fórmulas ensinadas pela tradição dos mestres. Tudo isso porque mudanças assustam as tradições. Porém se não existisse mudanças, o que seria do caminhar? Iremos ficar parados reproduzindo erros e acertos? Até quando irei me questionar: existe o novo ou iremos para sempre observar alguns episódios da humanidade se repetir?

É muito fácil para a maioria a teoria do “Crescei e multiplicai-vos”. Reproduzir outro ser humano é tarefa simples. Difícil é entender outro ser humano, instrui-lo e faze-lo refletir. É muito mais fácil colonizar, explorar e convencer o outro. Difícil é questionar, educar e libertar para que o outro caminhe com suas próprias pernas.

São muitas as ideias soltas por aí, fácil é reproduzi-las. Porém é quase impossível questiona-las e ter suas próprias ideias no lugar.

Parece que é mais seguro seguir a opinião de todos. Porque a voz do povo é a voz de Deus? Acredito que Deus não fez as faculdades cerebrais em vão. O criador nos proporcionou inteligência não só para reprodução, mas para a criação. Existem momentos em que temos que concordar, porque somos iguais em determinados detalhes. E em muitos outros, precisamos questionar e criar, porque somos diferentes ao mesmo tempo em que iguais, temos problemas e precisamos soluciona-los. Se isso não acontecer, além de estarmos à mercê da mesmice e do robótico, seriamos derrotados pelos problemas.

Algumas vezes reproduzir é concordar com os modelos já estabelecidos. A questão não é aquela velha vaidade de ser original, mas sim de questionar com propósitos para um bem geral e humanitário. Questionar é lançar uma pergunta para um molde imposto. Questionar é coisa de maluco né? Já reparou aquele gato da Alice no pais das Maravilhas? O gato de Cheshire. Alice perguntava e ele devolvia as perguntas com outras perguntas. Mal sabia Alice que essas respostas nada convencionais não era só o mapa para voltar para casa, como era as perguntas chaves para a menina Alice mapear os mundos desconhecidos que existia nela mesma.

Reproduzir é o comum e o normal. Questionar é aberração. Mas já te ocorreu na mente que Deus pode manifestar-se nas exceções? E se a voz de Deus for à voz dos excluídos e esquecidos?

As pessoas temem discutir. Dizem com orgulho “religião e política não se discute”, mas sabem que é justamente esse alimento que traz as mazelas ao mundo. Com diz o dramaturgo Bertold Brecht: o pior analfabeto é o analfabeto político. Porque não discutir a religião e relacionar esse pensamento do analfabeto político ao religioso? O que mais vemos durante a história reprodutora é a religião e a política andarem juntas. Durante toda a história a religião interferiu na vida de muita gente. Falar sobre as decisões da igreja e falar automaticamente de assuntos que interfere na minha vida assim como na vida política. E há pessoas que ficam com possessas quando contrariadas de sua fé, desenvolvendo raiva e agressividade. Atribuindo o pensamento de que sua religião é algo sagrado e intocável. Alguns se tornam dono da verdade, combatentes do “Malvado inimigo de Deus” que é tudo que contraria as regras da Igreja. Outros se fecham completamente, cheios de si, certos de que não vale a pena “jogar pérolas aos porcos”.

Não quero trazer uma oposição critica sobre fé e razão. Só observo que existe uma fé cega sobre a reprodução em massa. É justamente essa fé de as pessoas não verem nada além de suas opiniões. Fé no seu próprio mundinho frente a sua realidade. E a realidade dos outros será que prevalece de uma única verdade? Observo que existe uma fé cega pelo que se compactuou por tradição fraterna e social, assim acreditam em algo sem conhecimento, sem questionar-se, sem experiências e sem aquela calma de quem já vivenciou o assunto. É justamente essa certeza de uma verdade absoluta que fez com que pessoas fizessem guerras. As suas certezas contra as certezas dos outros. Guerras em nome de quem? Quem pode afirmar uma verdade em nome de que Deus? Quem pode atribuir o que é pecado e sagrado? Quem pode reconstruir os pedaços da historia fielmente para saber com absoluta certeza o que é certo ou errado? Factual ou fictício? É o pior de tudo, qual humano é capaz de caminhar nos pensamentos de Deus? Pelo contrario, é bem mais fácil controlar a vida dos outros. Mandar na vida dos outros. Impor o seu jeito sobre um jeito do outro. Fundamentando que seu jeito de enxergar a vida é melhor. É mais fácil manter a tradição, a ordem, o mais forte no poder, o mais rico, o cara que soube decorar a porcaria das regras é inteligente e mais dotado de poderes, o humano que nasceu naquela família é especial ou um povo específico é eleito. E se tudo isso tiver errado? Se todos fossem capazes de serem eleitos e especiais do jeito que veio ao mundo?

Uma vez escutei que nossa maior luta é contra nós mesmo. Nós somos os nossos maiores inimigos. Hoje entendo perfeitamente o porquê do questionar-se. Será que reproduzir faz bem para nós mesmo? No fim de tudo, somos os próprios autores que escolhem entre uma vida de cópias ou uma vida de questões. Uma vida de pensamentos ou uma vida de “está tudo certo mesmo”. O problema de quem leva a vida de “está tudo certo mesmo” é que sem querer acaba reproduzindo a ideia da TV, do amiguinho mandão, do politico ladrão, da fé sem fundamentos, do mundo sem ideia, do vazio, da violência contra outras ideias diferentes e, por enfim, o mundo fica cheio da velha história que já conhecemos o final.

Reproduzir é admitir que está pronto e finalizado. Questionar-se é infinito. É como olhar o céu e dizer: uau, ele é azul pra mim, mas talvez para outras pessoas de outro ponto do mundo, ele possa ser cinza! Reproduzem o céu quadrado e azul dizendo que só existe um céu para os bons, o purgatório e o inferno para os maus. Mas questionar é descobrir a terra redonda, outros planetas e um universo infinito. Sim, nesse universo há espaço para todos. Talvez nem o próprio Deus terminou de fazer sua obra. Ela é incompleta, porque é perfeita. Lamento dizer, mas os planetas não giram em torno da terra, existe a lei da evolução e a mente do homem é terra que nem o próprio homem anda. Desculpa, eu sei que você não quer ouvir isso. Reproduzir é a certeza e a vida não é certa. A vida não é a resposta pronta.

Reproduzir é ignorar os outros, os mundos e as diferentes manifestações de vida. Daí surge pessoas ignorantes e capazes de morrer por uma fé. Pessoas controladas por outras mentes conscientes da cegueira intelectual, usando os meios de comunicação, os meios religiosos, falsos heróis e os jogos de circo e entretenimento para distrair a mente humana. Daí surgem pessoas que convencem outras emocionalmente dizendo que aquele meio é o mais divino, destruindo muitas formas de felicidade e a harmonia do planeta. Muitas vezes homens que dirigem a religião trabalham dia e noite na imagem para convencer o máximo de pessoas, sendo a maioria das vezes não sinceros, sendo apenas articuladores, acabam aproveitando do medo e da ignorância alheia para controlar os homens e terem unidos poderes e interesses.

A fé cega é uma epidêmica assim como o egoísmo. A única maneira de mudar é a leitura, a educação e sensibilidade de perceber os outros e os mundos. Quando os seres humanos descobrem os livros, questiona e indaga. Quando o ser humano busca questões além do seu próprio interesse e vaidade passa a adquirir a fé forte e cheia de vida. Os grandes homens não quiseram mudar a história, eles quiseram ajudar o máximo de pessoas inventando ou questionando. Como já disse acima, questionar-se é infinito e coisa de imortal.

Para que a humanidade cresça e deixe de ser reprodutiva, é necessário que percebemos as coisas dentro e fora de nós mesmo. Mas para isso, o primeiro passo fundamental é questionar-se. Para percebermos uma coisa, precisamos da outra, em momentos diferentes para cada uma e em graus diversos de profundidade pode trazer muito mais clareza em questões que eram obscuras. Reproduzir é não ver. Questionar-se é abrir possibilidades.

Assim, é necessário olhar além do nosso próprio sofrimento e alegria, juntar aos quebra-cabeças da nossa vida junto com as dos outros, ajuda-nos, a saber, se estamos sendo ou não sendo mais compassíveis, sábios e calmos com opiniões contrarias e adversas a nossa. Caso não estamos sendo compreensíveis com a limitação do outro, devemos questionar se nossa fé vivenciada está equivocada ou será que sou eu que uso a minha fé para autoafirmação e não procuro vive-la? Será que profiro da boca para fora a fé e as morais e não vivo delas?

Fé não é necessariamente crer sem vê, mas ser fiel ao que você acredita. Será que nossa fé nos deixa mais fortes ou mais frágeis? Mais pretenciosos e colonizadores ou mais pacíficos e humanos? Mais naturais e simples ou mais arrogantes de uma fé vazia? Fé sem obras disse Jesus é mesma coisa que nada. Cadê sua criação? O que você fez por você e pelos outros? Fé é acreditar naquilo que enxergamos através dos olhos dos outros, acreditar na vida, confiando na humanidade e no amor ao próximo. Olhar nos olhos dos outros acreditando e sentindo sinceridade. Jesus disse “Olhos de ver”. Não fechemos nossos olhos para os mundos. Vamos juntos enxergar a vida com esses olhos!

segunda-feira, 22 de julho de 2013

Horinhas de descuido


Era manhã, mas manhazinha. Eles levantaram da cama. Olharam dentro dos olhos um do outro. Riram com a risada leve. Parecia que suas almas iam vazar. Os sentimentos são uma espécie de fogos de artifícios. Em todos os momentos de amor, contam-se os segundos para romper um ano. E rompe. Atravessam um ao outro. E estoura. Explode!

Já não podiam mais conter em si próprio. Catarina olhava os olhos de seu amado. Nos olhos claros e esverdeados de Breno, a moça podia enxergar a si mesma. Já seria a segunda semana que eles dormiam juntos. O começo do namoro. Breno beijava o pescoço da amada e todo corpo. Aquele encontro demorou e deveria ficar na eternidade. Deveria ser.

Os dois levantaram. A cama estava bagunçada. Breno arrumou. O apartamento do rapaz era modesto para um solteirão- que já não era mais solteiro. Catarina ajeitou-se no espelho do banheiro. Os dois saíram. Tomaram café na padaria da esquina. A zonal sul do Rio despertava. Eles se olhavam. O atendente perguntava. Eles não escutavam. Questionava: Queijo cheddar ou suíço? Você prestou atenção no que disse? Não senhor, desculpa. Riu Breno. Riu todos. O rosto de Catarina vermelhinho de vergonha. Vermelho de candura. Todos que estavam perto sentiam. Todos riam, todos amavam. O mundo estava assim: rouge. Rosa. Vermelho claro. Ele abraça o corpo dela enquanto andavam. Não sentiam vergonha de amar. Já nem se importavam com os olhares. As atenções. Parecia que de alguma maneira as pessoas não estavam ali. Era como se o mundo fossem eles. Eles fossem nós.

Seguiam rumo ao encontro. E de repente, fazia o encontro dos dedos com a pele, das mãos com as digitais, dos pelos com os cabelos, dos brilhos com os olhos, do sentir com afagar. Estariam entregues naquele parque.

Lá dentro, tinha um belíssimo jardim. Quanto verde! Flores de todas as cores. Atravessaram um laguinho por uma ponte estilo japonesa. Sentaram debaixo de pérgola num banquinho branco de praça. Foi quando Breno viu os peixes. Mó, vamos jogar comida para os peixes? Vamos!!! Foram ao mercado. Compraram biscoitos e retornam ao jardim do parque. Riram, porque tinham que esconder o plano mirabolante dos seguranças do jardim. Ninguém podia alimentar os peixes com biscoitos gordurosos. Esconderam o biscoito. Mó, cê vem aqui amanhã para saber se matamos os peixes. Riam. Quando começaram a jogar farelos na água. Os peixes abriam a imensa boca. Comiam com esfomeação fazendo bolhas. As ondinhas faziam ondulação no coração. Bolinhas subiam por dentro fazendo cosquinha. E eles riam. “Vamos jogar comida para nossos filhos” diziam. E os peixes nadavam de modo que pareciam sorrir. As migalhas de biscoito caiam no chão como fé atirada nos cachorrinhos. Já os seguranças não podiam mais proibi-los.

Eles sentaram no banco debaixo dos galhos que cobriam a pérgula. Folhas faziam a sombra perfeita. Sombras de férias, de calma, de silêncio: a paz de estar em pá. Os feixes de luz do sol entravam nos buraquinhos dos galhos das arvores até tocar na pele dos amantes. E eles amavam a ponto de o vento esquiva-se de leve por entre as folhas. Esquivava-se para pedir licença. Os pássaros cantavam a melodia que só quem ama poderia escutar. Parecia que tudo fazia sentido. Tudo estava no lugar certo. Foi quando um pequeno canário pousou no chão. Bicou as migalhas. Outra ave pousou. Quando caminha sem muita vergonha o pombo. Totalmente desajeitado. E vêm outro pombo, outro, outros, mais outros. Bem te vi. Sempre te vi. Senti. Sabiá.

Todas as aves comiam do farelo. O bem-te-vi roubava alguns pedacinhos de biscoito do lago e voltava para arvore. A rolinha era modesta em comer os grãozinhos. E eles riam. Olhavam um para o rosto do outro e tinham a certeza do que sentiam. Daí, quando menos esperavam os passarinhos estavam debaixo dos pés deles. Picavam de leve. Pareciam se alimentar, não só de farelos, mas também de sentimentos. E eles viam em bandos. Não tinham medo. E os amantes não tinham pressa, não faziam movimentos bruscos, apenas comtemplava o que era simples. Estou parecendo a “Encantada”. O Breno bancando de palhacinho fez o canto “Ôôôôôô...” tentando imitar a princesa do filme. Eles riram. E por acaso haveria um momento assim?

- Amor, obrigado! Disse Breno- agradecer era o estado mais próximo que ele conseguia dizer, -Passei tanto tempo sozinho, olhando aquelas paredes do meu apartamento, não saia de casa para nada. E quando você chegou, mudou minha vida. Parece que agora consigo olhar as coisas e as pessoas. Fico aqui olhando tudo isso com você.

Catarina apenas deu um sorriso. Não tinha palavras. Eles olhavam as coisas da natureza como uma criança olha pela primeira vez a vida ao nascer.

E ali estavam os passarinhos no galho pedindo algo mais. Para alguns humanos, apenas migalhas. Pequenos farelos que não poderia sustentar a fome de um adulto. Para os peixes, para os pássaros e quem sabe até para as formiguinhas era um banquete dos deuses. Um banquete de Afrodite. O manjar que Eros preparou. Assim é o amor. E para quem tinha fome. Aquela fome de vida já era o suficiente. O bom apetite.

- Queria fazer com que essa horinha fosse para sempre- falou observando o nada. Se bem que não era bem o nada, era como se ela tivesse sentindo o momento, mergulhada em si mesma. Era o estado de graça olhar para nada. Era como se o nada fosse à completude. É se pegar de supetão e questionar-se: Porque estou parado assim? Estou olhando para quê? Assim eram essas horinhas esquecidas!

- Não sei Mó, vamos viver e senti-las- disse e logo depois beijou a testa da moça. E sentiram. Todo aquele olhar pro nada, fazer nada e dizer nada era tudo. Olhar aquelas cores da natureza que aparentemente tinha nada completava tudo no fundo. Era uma imensa represa de aguas potáveis preenchendo os canais secos e murchos da vida. Era gente vivendo de mansinho com brabeza na alma. Era o vento soprando o machucado da criança que acabou de cair no chão de levadeza. E ela levantaria quantas vezes fosse preciso para brincar. E ela se esqueceria do tombo. E ela não se importaria com mais coisa nenhuma. Abriria os braços para o acaso. E Deus, com preguiça, ri de um céu azulzinho deixando cair pequenos farelos de biscoito. Pequenas pistas de como ser feliz em migalhas. E sentiriam fome. E os amantes comeriam dessas horinhas para sempre.

Gente


Certa vez, disseram-me: " Você nunca saiu do Brasil,né? Abra sua mente!"

Pensei em toda gente que conheci nas páginas dos livros. Desde o oriente até ao acidente.Pois de fato era gente!

Porém, foi a poesia que me transportou para outra dimensão- não saberei dizer se é coisa do outro mundo, só sei que sinto tudo isso com todos os sentidos.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2013

Janelas

Sobre a janela da minha casa há o mundo.
E cá dentro, silêncio sem fim porque tudo é espanto.
No interior das cortinas, espetáculos e luzes.

E uma janela tirou-me os olhos- um tal de Windows e uma caixa micro magnética,que merda!
Roube-me sem previa o travesseiro, o sono, a janela.
Contou-me anedotas dizendo ser tudo possível
deixando as coisas repletas de ferrugens.

Mas na minha janela me espera o mundo
E algo me diz para que não deixe passar pelos olhos.
Porém fica esse espanto das primeiras coisas.
Grafados pichações, rabiscos, sites e janelas que transcrevo e apago.

Apenas a vida tatua meus olhos
fazendo-me continuo esquecimento.O que fica?
Sei lá, talvez os mundos, a murcha esperança e olhos pregados na janela.

sábado, 27 de outubro de 2012

Dona Magnólia

“Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam...” (Mateus 6)

Se você parasse diante de um jardim, poderia vê uma velha falando com uma planta. Diria até que ela está ficando caduca, porém são justamente os frutos desses atos que provem tal amor. As raízes do chão estão fincadas sobre a sutil simplicidade. Quando a senhora fala com delicadeza com sua flor, ela parece entender ao ganhar a cor da criação sobre tons peculiares da natureza. Todo barro do chão faz a origem de quase tudo. Sincronicamente, as flores de magnólia nasciam no jardim no tom escaldante da primavera.

Dona magnólia é seu nome. Ela acordou cedo preparou a mesa. O cheiro de café tingiu as narinas das crianças e elas acordaram. O Tilintar das xícaras. Magnólia sentia o prazer das coisas frescas do nascer do sol, especialmente de olhar seus filhos comendo, sobretudo, de vê-los estudando. Então com graça, prepara suas matérias, mesmo não entendo o que era aquelas lições, olhava, pedia que eles refizessem. O seu desejo e sua esperança estavam ali nos rabisco de cadernos, na nomenclatura, na tímida mancha dos dedos sobre folhas, sua salvação era os coloridos livros. Pegava a mochila das crianças e levavam elas até a porta da escola. A escola por sua vez era o jardim ideal de Dona Magnólia. Jogariam pequenas sementes, com o esperar e paciência de admirá-las. E as flores foram feitas para isso, serem admiradas. Não se tem uma flor, não se guarda como uma joia dentro de um cofre. Apenas cultiva-se, espera-se com paciência, e o produto final é o mirar, contemplar com devoção e por fim fazer das coisas pouco notáveis o lugar da poesia. Era isso a beleza que exalava o mundo.

Conhecia todos os professores, Dona Magnólia fazia questão de ali estar presente. Gostava de preparar tudo com suas próprias mãos. Sentia-se cada vez mais viva ao preparar vasos de plantas, mexer os dedos nas terras, meter a mão na massa, lavar toda a louça e preparar pratos aos amigos. Quando a diretora fazia alguma festa, ali estava Magnólia fazendo parte dos preparativos. Levava rifas para vender, porque pensava que a educação era necessária e importante. As oportunidades para Magnólia foram poucas, bem menores. Jogada no trabalho desde muito nova, no fundo, ela lutou para manter-se viva. Depois presenteada com duas filhas e um marido. Prendada, o pulsar do seu sangue estava concentrados nos dedos que engomavam com carinho a blusa do marido, dos patrões e as camisetas das meninas. Seus dedos passavam pelo preparo do lanchinho que jamais em hipótese alguma poderia faltar. Nesse mesmo pensamento, jamais poderia faltar um lápis ou borracha. Seus pensamentos sobre o caprichado branco do travesseiro era a preocupação de não ter as coisas para seus filhos. Com o tempo, Magnólia via que todos esses pensamentos eram desnecessários e que a vida poderia ser mais leve se olhasse as aves no céu. Elas não se preocupam com essas coisas e mantem-se vivas assim como toda natureza era preparada pelos dedos do grande cultivador. E no dia seguinte seus dedos calejados passavam profundas digitais nas vidas daquelas crianças.

Certo dia, uma das filhas de Magnólia apresentou sinais de dificuldade no aprendizado, tinha baixas notas. Para o desespero de Magnólia, ela não poderia ajudar já que pouco entendia das disciplinas escolares. A professora Tânia assim fez, todos os dias, fazia aula extra quando acaba seu expediente. Tudo isso era pela pessoa que magnólia era. O peito de magnólia encheu-se de gratidão. Os pensamentos de magnólia inveteram-se no travesseiro, agora eram sonhos dos mais sonhados. Imaginava suas filhas vestidas de uma beca azul com um canudo na mão, formadas numa universidade. Pedia a Deus que lhe dê-se vida suficiente para chegar a tal dia. Com o passar do tempo, suas filhas saíram da escola primaria, nessa formatura todo corpo docente prestou homenagem à mãe Magnólia. Nesse mesmo dia, foi regado com muitas lágrimas. Mesmo assim, Magnólia continuou indo a escola. Participando das feiras dos livros, comprando quase todas as rifas para ajudar a fazer festas das crianças e ajudando a estimular crianças com baixa estima que refletia na pouca e dificultosa produção na aula.

Era dia dos professores, e para comemorar na mesma semana, haveria uma reunião comemorativa somente dos funcionários. Magnólia sabia disso, nesse dia levantou-se tão cedo, e com suas próprias mãos preparou um bolo. Seus dedos tocavam os ingredientes e fundiam-se todos num recipiente como a mistura perfeita da cultivação. Como qualquer coisa anotável, magnólia tinha seus pequenos e simplórios feitos, mas era como o sol que todos os dias dava vida as coisas e quase ninguém notava sua presença. Fazia questão de fazer, de ir como suas próprias pernas até a porta da secretária e deixar seu presente com um bilhete. Nesse dia a diretora chegou, ficou emocionada ao ler o bilhete porque sabia do significado daquelas letras tortas. Ao começar a reunião, os professores sentavam-se um perto um dos outros num circulo. A diretora falava dos planos pedagógicos e parou. Falou de Dona Magnólia. Disse que se todas as mães dos alunos fossem como Magnólia a educação brasileira estaria salva pelas mãos do povo. Contou que Magnólia havia finalmente aprendido a ler e escrever. Então em voz alta leu seu bilhete.

Queridos mestres,
Uma vez escutei que tínhamos muitas vidas passadas e que reencarnávamos. Não sei se acreditei nisso, mas eu gostaria que nas minhas vidas futuras eu seja professora. Obrigado por esse dia. Magnólia.

Todos eles pensavam o como eram esquecidos, o quanto as pessoas não davam valor a sua profissão e aquela simples mulher disse aquilo. Todos realmente perceberam que era por essas pessoas que eles estavam ali. Educar é um ato mais simples de amor, é cultivar, esperar com paciência e sempre comtemplar a beleza das pequenas coisas. Sem querer, sem ser visto, sem que haja um grande espetáculo e sem grandes números de reconhecimentos, Dona magnólia passou seus dedos na vida daquelas pessoas. Suas marcas são de terras infinitas. E o mais irônico da vida, é que de repente, os mestres aprendem a cultivar com Magnólias.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Um rio desperta sobre as margens.

Poucas coisas me fazem ter vontade de escrever, mas não poderia deixar passar despercebido esse motivo que é mais que uma razão. Não meu leitor, não terá nenhum efeito literário ou super grandioso. Será apenas mais um assunto ignorado. Vivi intensamente a política esses meses. Temos 68% aprovando a gestão do nosso atual prefeito do rio de janeiro contra expressivos 28% da candidatura de Marcelo Freixo. O que nos traz certa apreensão ou tristeza, porque esperávamos um segundo turno e mais chances de democracia. Mas não ocorreu, foi exatamente isso que me fez refletir: qual é o balanço disso tudo?

A diferença é essa palavra chamada balanço. São os 68% que dizem o balanceamento dos cálculos, números, porcentagens, protocolos contratuais, vinte partidos, quinze minutos de TV, milhões em campanha mais que publicitaria, interesses pessoais, ceticismo, aparências, efeitos visuais, copa, estratégico, automobilismo, olímpiadas e a velha forma de fazer acontecer para os que dizem que tem algo acontecendo, os que lucram com algo e os que acham que política é time de futebol. Os que insistem em dizer existir apenas uma força jovem torcida que ganha e a outra que perde, ignoram que todos perdem ou todos ganham, ignoram o espaço, as outras visões e até mesmo as experiências de vida.

Por outro lado temos grande numero de rejeição, votos nulos e 28% que somados passariam tranquilamente o balanço anterior. Uma campanha movida por um único partido social, articuladora, sem interesses pessoais e totalmente voluntária, sem salários de 1.500 reais aos militantes (maior até que um professor do município), movida pela força de mudar, pelo cansaço de não fazer nada e olhar calado greves, mensalões; uma campanha que enche a lapa com 15 mil espontaneamente de baixo de chuva, que move artistas que se calaram durante muito tempo, um campanha que era invisível no horário eleitoral, um minuto de televisão e que talvez não tenha mais de 2 milhões ao todo. Essa campanha movida pela emoção, pela ética de não sujar o que está imundo, de não calar o que se faz silencio comprado, de ascender o que aparentemente apagou-se.

Pensei tudo isso e fiquei um tempo parado, escutando todos os militantes falarem. E pensei o que isso tudo mudou em mim? Quem é os verdadeiros perdedores? Lembrei-me de umas das coisas que essa campanha me trouxe: lágrimas, sonhos e amigos. Quando pequeno, tudo era mais fácil de acreditar... Bastava falar de um velhinho que trazia presentes e logo eu era capaz de sonhar num noite em que todos sorriam. Quando cresci, o sistema e todo esse balanceamento que rege o mundo me trouxe certo ceticismo. Será que o mundo vai mudar? Será mesmo que o humano tem valor? Será que um pequeno grupo é capaz de mudar todo balanço de números, dinheiro, empreiteira e empresários? Tudo que eu passei a esperar do futuro era uma espécie de “sonho” que eles mesmos balanceavam, vontades teriam que ser por meio de um estudo ou razão que faria sonhar um número de casas, roupas, carros e aparelhos que mudariam com o tempo estipulado por eles. Quanto maior o quantitativo mais vencedor seria. Ao vê a figura dessa campanha de Freixo, pensar em todos numa sociedade, num futuro, ao vê muitos jovens acreditando, participando, deixando de estar apenas numa rede social, abrindo mão de um domingo parar panfletar no sol quente do Rio, vendo senhoras como Dona Deia, que teve muitas decepções politicas com força e vontade. Tudo isso ascendeu em mim à capacidade de sonhar perdida na infância. Esse sonho com candura e inocência.

Essa campanha me reaproximou de muitas pessoas que não via a tempo, estive frente ao passado, relembrei minhas origens, me fez perceber o que existe a minha volta. Não sou os 68% que ignora o mundo, os olhares, a corrupção, a desigualdade e a esperança. Faço parte da nova geração que se levanta, de um rio rebelde por varias causas, coisas que eu só lia em livros de histórias como caras pintadas e diretas já. Pude vê no meu comitê fotos de um PT antigo, de um sonho que significou uma vitória perdida, movimentos como o teatro de Boal surgirem lá dentro, pessoas que fundaram uma corrente socialista e viram morrer no mantado de Lula. Pessoas que fundaram o partido socialista e liberdade, incapazes de matar um inseto, com os olhos mais radiantes de brilho, são eles que dizem: “não sou homem para chorar, mas sou menino para apreciar as lágrimas” ou “não ganho um real, estou na rua pelo ideal”. Um ideal maior que o partido, maior que uma figura de Freixo, esse mesmo ideal que é a alma vencendo o limite do corpo e morte. São essas pessoas que abrem as portas de sua casa, gastam gasolinas de seus carros, vestem uma camisa soando nela, pingam lágrimas a finco e vê de perto renascer das cinzas um novo movimento social que aparentemente tinha fechado suas portas ou pendurado suas chuteiras. Quem é o perdedor? São esses que ignoram o que poderiam viver, fecham os olhos para o que acontece a sua volta, que evitam discutir assuntos tão atuais na sua cidade, são esses que se deixam vencidos pelo numero, que conhecem os problemas mas dizem que eles não existem. Perdedores são esses que perdem todo tempo ignorando que existe algo maior que interesse e seu próprio mundinho. Perdedores são esses que se esquecem dos outros, dos sonhos e da capacidade de contemplar o outro. O que nos movimenta é essa linha do horizonte inatingível, mas que nos faz caminhar ao nosso melhor lado. E vencer é chegar próximo ao nosso melhor, sendo também, conhecer uma faceta do amor. Só os vencedores não se cansam de caminhar, só os vencedores sabem que seu sonho de vê um mundo igual não há balanço matemático, quantitativo e real que o supere. Porque coisas de vencedores são muito menores e grandiosas suficientes para silenciar o tempo.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Um crescido esquecimento.

Que sombras de homem percutem essas olheiras?
Qual percurso retoma esse semblante?

Um senhor que esconde
o sentimento em aparente sentido.
Um cara refém dos esconde-escondes do que sou.
O pique-pega das rotinas que lhe fecha a cara.

Os medos dos monstros do armário
remetem-se ao medo de acreditar.
Um doutor é a fé e a ponta ao ofício.
A doutrina adestrada ao delírio sonho.

Os risos pintados com os dedos
são os amarelos dos dentes.
Troca protocolos descentes
afagados ao sigilo contrato.

Que homem é esse que vejo ao espelho?
Brinca de peão com as datas
Empina um balão que sobe esquecido.
O calvo obrigatório tecido guardado no escritório fingido.

Um cara que de cara de pau
troca o vermelho das tardes
e tinge ao opaco verniz.
O senhor que esconde a sobriedade
em tons de cinzas no nariz.

Nos reflexos de agora vejo
um cara trancado fechado por dentro,
Lá para fora dos outros o cara de aberto ego.

Aos poucos esse homem
esquece o toque dos amigos
Os caminhos das amarelinhas
O corres das campainhas.

Aos poucos a vida é de muitos.
As Poucas pessoas
e coragem de apenas uma multidão.

Aos poucos,
Bem aos poucos...
É comum um “desculpa, foi mal!”
pelo anormal esperança nas manhãs de natal.

Aos poucos, fica bem pequenininho
o esquecer de como é dar as mãos ao desconhecido,
Caído do ninho, se perde o primeiro voo do passarinho.