sábado, 27 de outubro de 2012

Dona Magnólia

“Olhai para os lírios do campo, como crescem; não trabalham nem fiam...” (Mateus 6)

Se você parasse diante de um jardim, poderia vê uma velha falando com uma planta. Diria até que ela está ficando caduca, porém são justamente os frutos desses atos que provem tal amor. As raízes do chão estão fincadas sobre a sutil simplicidade. Quando a senhora fala com delicadeza com sua flor, ela parece entender ao ganhar a cor da criação sobre tons peculiares da natureza. Todo barro do chão faz a origem de quase tudo. Sincronicamente, as flores de magnólia nasciam no jardim no tom escaldante da primavera.

Dona magnólia é seu nome. Ela acordou cedo preparou a mesa. O cheiro de café tingiu as narinas das crianças e elas acordaram. O Tilintar das xícaras. Magnólia sentia o prazer das coisas frescas do nascer do sol, especialmente de olhar seus filhos comendo, sobretudo, de vê-los estudando. Então com graça, prepara suas matérias, mesmo não entendo o que era aquelas lições, olhava, pedia que eles refizessem. O seu desejo e sua esperança estavam ali nos rabisco de cadernos, na nomenclatura, na tímida mancha dos dedos sobre folhas, sua salvação era os coloridos livros. Pegava a mochila das crianças e levavam elas até a porta da escola. A escola por sua vez era o jardim ideal de Dona Magnólia. Jogariam pequenas sementes, com o esperar e paciência de admirá-las. E as flores foram feitas para isso, serem admiradas. Não se tem uma flor, não se guarda como uma joia dentro de um cofre. Apenas cultiva-se, espera-se com paciência, e o produto final é o mirar, contemplar com devoção e por fim fazer das coisas pouco notáveis o lugar da poesia. Era isso a beleza que exalava o mundo.

Conhecia todos os professores, Dona Magnólia fazia questão de ali estar presente. Gostava de preparar tudo com suas próprias mãos. Sentia-se cada vez mais viva ao preparar vasos de plantas, mexer os dedos nas terras, meter a mão na massa, lavar toda a louça e preparar pratos aos amigos. Quando a diretora fazia alguma festa, ali estava Magnólia fazendo parte dos preparativos. Levava rifas para vender, porque pensava que a educação era necessária e importante. As oportunidades para Magnólia foram poucas, bem menores. Jogada no trabalho desde muito nova, no fundo, ela lutou para manter-se viva. Depois presenteada com duas filhas e um marido. Prendada, o pulsar do seu sangue estava concentrados nos dedos que engomavam com carinho a blusa do marido, dos patrões e as camisetas das meninas. Seus dedos passavam pelo preparo do lanchinho que jamais em hipótese alguma poderia faltar. Nesse mesmo pensamento, jamais poderia faltar um lápis ou borracha. Seus pensamentos sobre o caprichado branco do travesseiro era a preocupação de não ter as coisas para seus filhos. Com o tempo, Magnólia via que todos esses pensamentos eram desnecessários e que a vida poderia ser mais leve se olhasse as aves no céu. Elas não se preocupam com essas coisas e mantem-se vivas assim como toda natureza era preparada pelos dedos do grande cultivador. E no dia seguinte seus dedos calejados passavam profundas digitais nas vidas daquelas crianças.

Certo dia, uma das filhas de Magnólia apresentou sinais de dificuldade no aprendizado, tinha baixas notas. Para o desespero de Magnólia, ela não poderia ajudar já que pouco entendia das disciplinas escolares. A professora Tânia assim fez, todos os dias, fazia aula extra quando acaba seu expediente. Tudo isso era pela pessoa que magnólia era. O peito de magnólia encheu-se de gratidão. Os pensamentos de magnólia inveteram-se no travesseiro, agora eram sonhos dos mais sonhados. Imaginava suas filhas vestidas de uma beca azul com um canudo na mão, formadas numa universidade. Pedia a Deus que lhe dê-se vida suficiente para chegar a tal dia. Com o passar do tempo, suas filhas saíram da escola primaria, nessa formatura todo corpo docente prestou homenagem à mãe Magnólia. Nesse mesmo dia, foi regado com muitas lágrimas. Mesmo assim, Magnólia continuou indo a escola. Participando das feiras dos livros, comprando quase todas as rifas para ajudar a fazer festas das crianças e ajudando a estimular crianças com baixa estima que refletia na pouca e dificultosa produção na aula.

Era dia dos professores, e para comemorar na mesma semana, haveria uma reunião comemorativa somente dos funcionários. Magnólia sabia disso, nesse dia levantou-se tão cedo, e com suas próprias mãos preparou um bolo. Seus dedos tocavam os ingredientes e fundiam-se todos num recipiente como a mistura perfeita da cultivação. Como qualquer coisa anotável, magnólia tinha seus pequenos e simplórios feitos, mas era como o sol que todos os dias dava vida as coisas e quase ninguém notava sua presença. Fazia questão de fazer, de ir como suas próprias pernas até a porta da secretária e deixar seu presente com um bilhete. Nesse dia a diretora chegou, ficou emocionada ao ler o bilhete porque sabia do significado daquelas letras tortas. Ao começar a reunião, os professores sentavam-se um perto um dos outros num circulo. A diretora falava dos planos pedagógicos e parou. Falou de Dona Magnólia. Disse que se todas as mães dos alunos fossem como Magnólia a educação brasileira estaria salva pelas mãos do povo. Contou que Magnólia havia finalmente aprendido a ler e escrever. Então em voz alta leu seu bilhete.

Queridos mestres,
Uma vez escutei que tínhamos muitas vidas passadas e que reencarnávamos. Não sei se acreditei nisso, mas eu gostaria que nas minhas vidas futuras eu seja professora. Obrigado por esse dia. Magnólia.

Todos eles pensavam o como eram esquecidos, o quanto as pessoas não davam valor a sua profissão e aquela simples mulher disse aquilo. Todos realmente perceberam que era por essas pessoas que eles estavam ali. Educar é um ato mais simples de amor, é cultivar, esperar com paciência e sempre comtemplar a beleza das pequenas coisas. Sem querer, sem ser visto, sem que haja um grande espetáculo e sem grandes números de reconhecimentos, Dona magnólia passou seus dedos na vida daquelas pessoas. Suas marcas são de terras infinitas. E o mais irônico da vida, é que de repente, os mestres aprendem a cultivar com Magnólias.

2 comentários:

Unknown disse...

Muito interessante. As metáforas que por sua vez revelam ser uma verdade muitas vezes esquecida ou desvalorizado pela sociedade brasileira e quão é importante ter "Magnólias"

Vanessa Santos disse...

Maravilhoso!
Aguardo visitas e comentários!
http://mardeletras2010.blogspot.com.br/2012/12/pathos.html