sábado, 31 de dezembro de 2011

Feliz novo velho.

Todo começo exige explicações. Exceto esse, pois não vejo bem necessidade de serem ditas. Com toda palavra, esse personagem e sua peculiaridade não são bem atrativas. Principalmente, vocês que aí estão exigem tanta perfeição. Esse alguém nunca desejou ser melhor em nada. Jamais sentou na cadeira de uma sala e pensou em ser o primeiro e nem o melhor no que faz ou fará. E tampouco esse alguém já nem quer fazer nada.
Eis que trato de falar do velho Murilo- italiano que veio trabalhar nos engenhos de Vassouras há alguns anos atrás. Nada fez se não nada, nenhuma posse, apenas tralhas e uma casa vazia. Sua aparência digna de espantar quaisquer crianças do vilarejo, pois até certo momento, ele era o velho do saco para elas.
Foi quando o velho levanta da cama, sem muitos rituais de antes, sem ao menos olhar no espelho. Já dizia sinhô velho que espelho arranca alma, e, se é que já lhe tinha uma naquela altura. Lava o rosto numa bacia imunda e mede o espaço vazio. Um espaço que um dia foi ocupado por planos, por filhos inexistentes, por sua esposa jazida, por lembranças e teias de aranhas. Na cabeceira pega o álbum de fotografia, sabia que aquele era o último dia do ano e já não fazia diferença. Pouco sentia as vísceras do viver. Pegou a foto com uma mulher e uns rapaz abraçados perto da casa que agora estava. Já não sabia chorar. Amassou a foto e levantou. Pegou o chapéu perto da porta.
Chegou ao boteco do seu Afrânio com era de costume, o homem já sabia o gosto da freguesia. Todos já sabiam que Murilo era homem cabreiro, pouco falava- de modo, quase nunca se pronunciava. Pois a vida já arrancara tudo. Perderá até as palavras, de modo que havia gastado todas. Fica ali apreensivo numa mesa do canto degustando a vista turva rezando a língua de Deus, visto que tudo que é dito pelo criador tá no silêncio dos mistérios.
Murilo tomou três doses sem frescura- era disso que se alimentava. Já não queimava por dentro, esse era o remédio, nem sabia o que era médico. Termina e decide ir à praça.
No caminho, pega do bolso do paletó a fotografia amassada e pica de modo esculhambado transformando em pedaços, joga na primeira curva da rua. O velho vai até o jornaleiro sussurra de modo indicando o jornal e se senta sozinho num banco. Levou tempo, mas aprendeu que Homem é bicho que sempre morre só. Quando escutam três senhoras tricoteiras conversarem.
-Já disse a Fernandinha para ela por calcinha vermelha hoje à noite para vê se casa logo.
As velhas riram.
- Eu vou por um vestido amarelo, já apostei na mega da virada. Quero é muito dinheiro!
Tudo aquilo incomodava o velho. Levantou-se a sair dali. Achou outro lugar. Quando fitou uma notícia do aumento da aposentadoria. De modo que logo escutou uma roda de jovens.
- aí, ano que vem vou entrar na academia. Vou ficar gostoso.
- minha mãe todo ano diz que vai fazer dieta.
- Meu mano, vamo bebe todas lá em copa!
Murilo já estava ficando puto com aquilo e resolveu tomar algumas e ir para sua casa. Alegria demais era incomodo. Principalmente sem ter motivo. Caminhando, diante dele, vê uma figura de um menino maltrapilha com caixa de madeira na mão. As mãos estavam sujas de graça. O menino entoa:
-Tio, me ajuda aqui. Engraxa o sapato, poxa tio, é final de ano!
Sem muitos devaneios, Murilo logo sente piedade do moleque, balança a cabeça. O menino afobado põe a caixa no chão para o velho encaixar o pé. Ao vê o movimento das mãos do menino polindo o sapato já surrado, o velho bêbado podia notar alguma coisa diferente naquele jovem. Era parecido com ele quando mais novo. Ou seria seu filho? Achou tudo aquilo piada de mau gosto causada pelas alucinações da cachaça. Mas de qualquer modo associou sua possível simpatia pelo jovem pelo fato dele não ser um mimado com aqueles outros que contavam vantagens em ano que nem ao menos existia. Pagou o menino com o que lhe restava. O menino ficou supresso e expressou um enorme sorriso.
- Brigado, tio!- saindo correndo mais afoito do que nunca.
Quando Murilo chega à entrada de sua casa. Olha de longe a miragem dupla. As grades do quintal eram como uma fronteira deserta de outro país que ele fora exilado. Uma imagem perdida nitidamente cravada, imagens confusas pelo efeito do álcool, metade do caminho havia bebido todos os bujãozinhos das encruzilhadas. Imagens de trens, partidas, campos verdes de uva, cheiro de liberdade. Escutando os sons das gaitas e acordeons das praças públicas das cidades italianas. Uma imagem de uma amada perdida na mente- olhando, fitando, mirando como flecha. Desejando aquele objeto amado como o alvo. Mas a mente é terra onde ninguém pisa e tudo o que ele mais desejava era fugir daquelas terras- flores encantada, escuras, cheias de gigantes arvoredos que assombram os pesadelos. Mas tudo o que ele mais queria era entrar em alguma terra do passado e nunca mais do lado de fora da amada ser esse estrangeiro. Já bastava ser estrangeiro dele mesmo, partindo, regressando, sendo outros.
Ali, dentro jurava ele próprio conhecer cada peça, cada cadeira, cada pedaço e espaço. Mas não, era apenas o pedaço perdido de ilusão. Hoje ele regressa estrangeiro, forasteiro do que nunca foi, do que vê e ouve. Velho de si próprio. Mas mesmo não sendo, não ouvindo mais, nem vendo as coisas como são, sim, com todo perdão poeta, ele reina no que nunca foi.
Então, como se paga um balão de gás ele entra na porta. Sem nada por dentro, sem dentro haver. Pega um LP antigo e encaixa na vitrola. E logo nos quadrantes do espaço ecoa: “Non... rien de rien...Non... je ne regrette rien. Ni le bien qu'on ma fait, ni le mal - tout ça m'est bien égal!” Pega uma garrafa de uísque e se entrega a ela como um amante virgem nas núpcias. Já não era mais virgem de nada, mas aquela garrafa o fazia de novo. Puro como cada destilado químico sem alquimia. Olhava as paredes cansadas do discurso vazio e tardio dos homens, e pensava, não, jamais quero um novo dia. Deu uma golada forte e entrou nos fios da mente: pessoas fazem planos sem saber se morrerá. O que resta de mim se não a morte? O que mantém chama são esses sonhos que pode ou não ser. Jamais aceitei nada de graça e é a pior coisa que alguém faz. Os olhos turvos de sono, mas ali estavam os pensamentos. Esse negócio de acaso é besteira. Deixar acontecer... Pega pelas mãos dessa estribeira do destino. O tempo é cruel, ele me destruiu. Não, jamais me esquecerei dos meus fracassos. Mas gostaria de ter acertos e pessoas do meu lado para dividi-los. Nada de amar o próximo sem amar a ti mesmo antes. Nunca senti pena de mim sou muito homem para isso!
Ele sentia a tonteira bem forte e sabia que a qualquer momento poderia dormir. Mas era isso que planejava não gostaria de ouvir nenhum barulho e expressão de felicidade. Pensava no povo pulando sete ondinhas, e imaginava que se tivesse no lugar deles pularia de cabeça. “Non... rien de rien...Non... je ne regrette rien. C'est payé, balayé, oublié, Je me fous du passé!”
Escutou a música e bebeu mais um gole da garrafa. Lembrou que uma desconhecida no bar uma vez comentou que a cantora Édith Piaf tinha uma vida conturbada e depressiva. Que inúmeras vezes teve que parar sua carreira por conta de doença e problemas pessoais. Quando um jovem compositor ofereceu essa canção, ela se animou e achou que deveria voltar a cantar- pois aquela musica expressava toda sua vida. De certo, Édith se entregou a interpretação com toda sua alma a essa música que tomou seu desempenho naquela noite no Olympia, de uma maneira, que marcaria a história da musica mundial. Então, Murilo só desejava achar um começo como a cantora depressiva achou. Mas onde?” Balayé les amours. Avec leurs trémolos. Balayés pour toujours. Je repars à zéro...”
Entretanto como ir? Se estava farto de acreditar em dias, nesses anos e nessas pessoas. Dizia a si mesmo que nunca poderia culpar ninguém, mas o fato das pessoas esperarem tanto por um ano era tanto vago. Se quem faz o novo são elas próprias. Mas onde tá esse novo? Fizemos tantas coisas, escrevemos tantas madrugadas a fio, pedimos aos céus, estrelas caíram no mar apagas. Dizia a si mesmo, o velho Murilo, pessoas quando chegam perto do final do ano, sempre começam a fazer promessas, listas do que fez ou o que não fez. Faxina para limpar mal olhado e blábláblá. Vou tentar limpar o peito- já amei bastante e sei que não serei correspondido. Pois aprendi que amor de fato não quer nada em troca e nem prende. Pelo contrário, o amor liberta. A única faxina que farei é de todos os sentimentos de arrependimento- quero conviver com tudo que fiz. Principalmente todos os meus erros.
Quando alguém bate a porta. Murilo dá um salto. Quem mais poderia ser agora? Levanta meio tonto, cai no chão e derrama algumas gotas de uísque no tapete. Aquela altura a casa cheirava a bebida forte e mofo, levantou, o velho cambaleou até a porta. Abriu e viu um menino. Mas será possível? Não. Só não me diga que o mesmo menino que limpou o sapato dele mais cedo, veio até ali? Era desse modo como às coisas lutavam na mente de Murilo. É claro que não é, seu velho, não vê que esse menino está limpinho e bem arrumado. Mas não é que ele é sua cara?
Então o jovem entrega um à fotografia e diz que tinha achado perto de seu portão. De longe, escutamos uma mulher berrar o nome do guri, ele e Murilo olham a mulher fazer sinal de “vamos logo”. O rapaz sorriu do mesmo modo de como terminou de engraxar e foi-se. O velho podia notar o menino dando a mão para a mãe e cochichando animados seguido de risos. O peito ficou pequeno e bem menor ainda foi quando viu a foto. É claro, meu leitor, é a mesma foto que ele picotou na rua!
Tudo aquilo já era demais. Ou ele estava muito bêbado, poderia ser sonho também. Resolveu que iria dormi. Os risos iam aumentando e os gritos iam ficando estridentes lá fora. Não, o velho Murilo não ia planejar nada. Nada de comer lentilhas! Esse velho não tem peito mais para decepções, em nada poderia esperar do amanhã. Gostaria de dizer coisas que ele mesmo não disse, mas dize-las talvez nunca seja do tamanhão da imensidão que é o sentimento. Essa maldita língua, essas regras da linguagem, nunca vai aproximar do que o Murilo queria ter dito. É dizer já é correr o risco de não dizer. Talvez o que Murilo deseje mais nessa virada é coragem para dizer mesmo não conseguindo. Mesmo que haja muitos erros de ortografia, mas que seja dito. Mesmo que as pessoas não diga em troca o que ele queira ouvir. Mesmo que o silêncio nos encubra com o tecido da noite. Mas que diga alguma coisa que dê vida, pois já não espaços para muita coisa e os dias virão por nós. Mas e agora que as pessoas não estão aqui, como ele poderia dizer? Mas algo berra, uma mão tece o fio e uma voz diz acalentando.
Desse jeito sem muito jeito, ele vai ao seu quarto e deita. Vira para o canto. E tenta apagar alguns resquícios de memória. Insiste em rolar de um lado a outro. Finalmente consegue pregar os olhos. No outro espaço maior, pessoas contavam sincronicamente os números estourando a felicidade, gastando as palavras e os risos. Fogos de artifícios cortavam o ar como mágica. E assim esse foi seu último dia de um novo ano velho. Desse mesmíssimo modo como faço minhas linhas vívidas às últimas palavras de um velho começo.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

O sopro de cada dia.

O jeito de apagar no celular as mensagens antigas,
limpar o armário e as gavetas.
Amassar documentos e folhas esquecidas.
O jeito do vento desarrumar a ordem de mim,
de inventar novos degraus nos pensamentos,
de grão a grau nos traz bons ventos.
O jeito de passar o dedo no porta-retrato
fica o velho jeito de se apegar nesse não jeito.
O não esquecer que não se apaga
e essa vil tentativa de pega-pega desse invento.
Mas ficam os restos das folhas no quintal.
As linhas de tijolo das amarelinhas
Junto das silhuetas de um coração cravado na árvore.
Só resta no fundo o tempo rindo com deboche
da composição desses ventos.
O jeito de pensar no não feito que faz
o vento ir-me soprando dentro.


Licença Creative Commons
O trabalho O sopro de cada dia. de Vinícius Luiz foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em peregrinoeopoema.blogspot.com.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença em http://www.peregrinoeopoema.blogspot.com/.

quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A busca dos cantos para encantar: O mundo do encanto ou conto de sonho.

Sempre fui menino curioso e nunca consegui prestar atenção devida a alguma coisa. Minha mente sempre dispersou nas camadas da imaginação. Quanto a meu Passa-Tempo preferido era brincar de ser explorador- saia por aí a procura de um lugar diferente, não um lugar comum, mas um lugar mágico.
As pessoas grandes sempre me diziam que essas coisas não existiam e tal, mas nunca acreditei nelas, já que elas mentiam umas para as outras e omitiam opiniões tão simples que jamais uma criança faria.
Numa dessas andanças, achei uma rua sem saída onde muitas crianças da minha idade brincavam. Era peão, pipa, bola e pique-bandeira. Essas coisas que crianças como vocês jamais saberão o que é. Tudo isso porque vocês preferem não arriscar a serem crianças e cresce démodé porque é mais sofisticada a marca de um site, um blog ou um movimento web qualquer.
Sempre me imaginei numa roda de pessoas, uma fogueira e estórias de encanto. E nisso os mais anciões contavam as lendas não de uma aldeia, mais de uma gente que é gente de carne, uma lenda que sobrevive ao chão e que necessita de outras lendas para sobreviverem. Ficava eu deslumbrado pelas chamas das fogueiras de são João que ganhava vida em seres encantados. Escutando flautas e precursões que me seduziam a me perder nas palavras. Era exatamente essa rua sem saída que me despertou não só os primeiros amores, mas a semente para o irreal.
Quando os meninos jogavam bola e outras coisas, lá eu estava no canto, contando as outras crianças menores minhas estórias. Escutava um ou dois meninos me xingarem: “Noah, seu maluco!” ou coisa como frutinha. Sabia que havia algo de diferente em mim, mas nunca até hoje consegui ao certo explicar o que poderia ser.
Mas havia algo de mais sinistro e aterrorizante naquela rua. Algo que nunca me despertou medo, diferente de todos os meninos mais normais, pois tinham pavor. Que era a ultima casa-nela morava uma velha sozinha e todos insistiam que ela era Bruxa. Até mesmo os adultos tinham repulsa por ela. A senhora tinha uma pilha de gatos e um enorme quintal travestido de vegetais, flores das mais variadas cores e arvores. Para dizer bem à casa que ela morava estava em mal cuidado, mas acredito que seja pelo motivo da velha morar só. Ela tinha um fusca marrom com alguns símbolos estranhos no espelho do meio. Na porta da frente da casa, tinha um circulo com espelhos e cristais.
De fato, a senhora sempre saia com seu fusca em toda sua fuga nunca olhou para cara de espanto de nenhum fedelho e tampouco deu um sorriso.
Certo dia estava eu no mercado quando me deparo com a velha bem de frente. Ela tinha olhos mais azuis e intensos que já vira. Fiquei parado, mas não era medo, sentia uma espécie de transcendência imaginativa. Ela me transmitia alguma paz e logo deu um sorriso, e sem mais, saiu. Eu poderia concluir que ela podia ter me reconhecido da rua ou quem sabe, ela sentiu o que senti a chamada simpatia. Mas resolvi nunca contar a ninguém, já me considerava estranho, imagina se cai na boca deles que a bruxa sorriu para mim?
Foi quando a rua inteira fez reunião. E todos tinham os mais terríveis pesadelos quando iam dormir e decidiram perturbar a bruxa na esperança que ela fosse embora. Todos os dias o bando de meninos e meninas pulavam o muro, tocavam a campainha ou jogava ovos podres na sua varanda. A velha nunca saiu e nem fez nada. E logo as ideias foram aumentando e como eu era o lado da corda mais fraco, decidiram que se eu fosse até a porta da bruxa e batesse, todos me considerariam corajoso e retirariam as palavras e apelidos feios contra minha pessoa. Eu aceitei, já que não tinha medo dela. Uma parte olhava com cara de espanto, o menino líder do bando, ria de modo sádico e maligno. Os subordinados queriam vê logo o sacrifício de uma pequena presa entregue ao mostro escuro das profundezas da rua sem saída.
Lá foram o bando, alguns ainda sépticos de minha escolha e outros loucos pelo espetáculo da isca presa no anzol. Quando chegamos a portão, o líder resolveu ir comigo, gabando-se que também era corajoso e logo dois capangas imitadores seguiu atrás. Pulamos o muro e chegamos à porta com toda cautela do mundo. Pude perceber que havia elementos de muito peculiar no seu jardim como pequenos objetos e algumas velas que clareavam a escuridão. Na porta, olhamos um para a cara do outro, então estendi a mão e pausei. O líder tirou meu braço do ar e bateu com tanta força que o som emitido parecia trovões. Os dois imitadores saíram correndo bem na frente, talvez cagando nas calças, e o líder me empurrou, cai de surpresa no chão sem qualquer reação e logo escutei gargalhadas sarcásticas e zombeteiras se afastando junto da imagem sem caráter do líder. Para meu espanto senti o trinco da enorme porta antiga de madeira polida se abrir e não demorou muito a figura da velha bruxa estava materializada na minha frente. Ela me encarou, e tinha mais sinais e verrugas do que o normal em sua face. Estendeu a mão, mas dessa vez não riu. Apenas dei a mão e levantei. Não demorou muito para me dirigir a palavra:
- sabia que você uma hora viria, mas agora em diante não se enturme com esses moleques que não entende nossa mente.
Eu juro que levei um susto, não pela aparência dela, mas por ela escolher essas palavras. Ela me categorizou como se minha mente fosse igual à dela? Logo me lembro de que continuou, mas não me olhava fixamente.
- Qual é seu nome jovem?
Disse Noah. E pude notar que ela estava calma e nem parecia zangada com tudo o que fizeram com ela. Então de seus lábios saíram outro discurso:
- olha, você quer entrar e tomar um chá quente? Eu aproveito e te ensino como se livrar daquelas pestes. Já estou acostumada com esse tipo de perseguição. Vamos!?
Entrei na sua casa e como imaginei havia muitos móveis antigos. Na sua sala de visitais pude notar enormes prateleiras de livros de couro. Todos me pareciam surrados e arcaicos. Havia uma lareira que estava acesa e que fazia o ambiente mais aconchegante. Ela fez sinal para que me sentasse em um das poltronas que estava cheia de gatos.
- Gripa, Circe, fausto! Deixe Noah sentar aí. Ande! – disse atônita a velha, logo houve o instante em que os gatos saíram da poltrona. Como não me aguentei de curiosidade não tardei a perguntar:
- senhora, desculpe, qual é seu nome?
- Ah, como sou mal educada, meu nome é Analise. Você pelo visto gosta de leitura, né?
Balancei a cabeça de modo que consentisse, ela logo foi consultar a estante enorme, ficou ali lendo baixinho cada titulo de maneira muito entusiástica. Com seus dedos de unha encardida demorou examinando como uma cientista alquímica. Então pude observar mais o ambiente, era uma casa de aspecto não tão assombroso, tinha um clima antigo e sábio. Então resolvi fazer perguntas:
- A senhora não mora com ninguém?
Ela continuou a procurar livros e respondeu:
- Moro com meus gatos e minhas plantas, afinal elas têm vidas como nós e eles têm mais sentimentos do que muitos humanos- ela veio com um exemplar de algum livro que não pude vê a capa. Entregou-me e disse:
- Tome. A partir de agora leia e conheça outro universo que pertence aos seus sonhos mais escondidos- olhou para mim com aqueles olhos de olheiras e tão azuis como o céu e riu com seus dentes amarelados. Ela foi até a lareira e pude notar que ela tinha muitas plantas e ervas. Eles estavam pendurados por ganchos numa parede falsa, ela escolheu alguns e jogou numa panela de ferro preta erguida na beirada da lareira. Não demorou muito ela tirou os elementos líquidos e botou nas canecas e bebemos. Lembro que o titulo do livro era “Lendas e tradições encantadas do sul da Irlanda.” e que dentro dele havia muitas gravuras de seres encantados como fadas e duendes. Eram a coisa mais bonita que já vi e realmente quem as pintou foi um grande artista. Então Analise logo me disse:
- Minha vó me deu esse livro num momento em que eu achava que era fraca e frágil. Todas as meninas tinham talentos como tocar piano, crochê e pintura. Eu sempre estabanada e nunca me senti confortável numa conversa. Os livros para mim foram à salvação- um mundo que criei e entrei onde pude ser aceita como sou.
Não demorou muito para Analise ser minha melhor amiga. Todas as tardes eu levava um novo livro e sentia que minha vida ia ganhando sentido nas colinas mais distantes, nos bosques, nos mundos subterrâneos, nos reinos menores, nos palácios de Gwyn, nas trilhas de Maria, na cantar dos reinos de cordel, nas Coletâneas de historias antigas, nas hierarquias de Thuatha de Danann, nas páginas de Lady Wilde e nas águas profundas de Moby Dick. Podia notar o quanto ela era uma boa cozinheira, suas palavras de sabedoria, o conhecimento de cada nome e finalidade das plantas, ela me ensinou cultivar a natureza com todo amor, sempre pegava gatos abandonados na rua e o mais bizarro que no seu telhado da casa tinha corujas que piavam na noite de verão. Não demorou muito e todos aqueles meninos foram se mudando da rua sem saída. E as arvores foram ficando mais floridas, a rua só tinha crianças pequenas que escutavam minhas estórias. Parecia que certo momento os pássaros paravam de cantar e que os gatos prestavam atenção em mim. O mais estranho nisso tudo que os sinais e rugas de minha amiga, Analise, iam aos poucos sumindo e toda fez que tentava perguntar sobre o assunto algo acontecia e nossa atenção se dispersava.
Até quando, entrou Gabi, uma nova moradora daquela rua e meu primeiro amor. Ela era uma menina muito espontânea e que tinha forte imaginação. Apresentou-me outro campo de leituras e ficávamos criando personagens e situações nas tardes mais resplandecentes onde os raios de sol alaranjado se punham no horizonte. Deitados numa grama de um tempo a mercê. Ao longe escutava as amarelinhas e barulho das cordas nos asfaltos. As cantigas... Ah, se essa rua fosse minha!
Aos poucos Analise sumia de minha vida, aos poucos sua aparência mudava, e suas lições ficavam fortes. Eu me encontrava no mundo- ou em qualquer outro mundo que criei. Não entendia porque Analise se afastava, mas não mais a encontrava em sua casa nas tardes que voltava da escola. Mas também me contentava já que Gabi era o centro de meu universo onde tudo girava. Onde minhas bochechas ficavam rosadas e todo sentimento das ondas do mar vinham dentro do estomago.
A última vez que avistei Analise, eu estava passando perto de sua rua e indo para minha casa, e vi na esquina distante uma bondosa senhora sem quaisquer verrugas e com o sorriso branco, trazendo a sensação de paz, acenando para mim, em seus pés havia uma fileira de gatos. Depois disso, todos dizem que ela se mudou, sem qualquer vestígio.
Cresci e fui para a universidade. Mudei-me para um lugar distante da rua sem saída. Também Gabi se mudou, e se encontramos em alguma festa, ela fazia historia da arte e eu jornalismo. Nossos sentimentos eram outros, o que me causou um enorme vazio. Mas não tínhamos o que dizer e me pareceu que ela estava acompanhada. Despedíamos como pede os costumes e fui para algum canto perto de meus novos amigos. A vida me pedia outra cara, outro modo, outros meios.
Casei com uma mulher de pura personalidade sem muitos atrativos, que me deu um bonito filho e tenho um bom emprego num jornal conceituado. Até que houve um dia que todo meu mundo por um momento desabou. Quando fui demitido. Meu chefe disse coisas do tipo que eu não era capaz, que sofreu prejuízos por minhas matérias e tantas coisas que me fazia controlar as lagrimas. Tudo que aprendia por um momento desabava- quer dizer que não sou um bom profissional? Estava cansado de tentar agradar a todos. Entrei no carro e liguei a chave, minha cabeça estava explodindo. Perdi-me dentro de um mundo de pessoas serias e que se alimentavam com desgraças alheias.
Quando cheguei a casa, dispensei as empregadas e fui até o quarto do meu filho. Ele estava dormindo. Olhei o relógio e vi que minha mulher demoraria cerca de uma hora. Como dizer a minha mulher isso? Que significava que todos nossos planos estariam cada fez mais longe. Meus sonhos estão despedaçados no chão e cada vez que olhava para meu filho dormindo, minhas lágrimas rolavam, pois minha vida agora era dele. O que será do seu futuro? Ele despertou e perguntou se eu chorava. Menti e lembrei o quanto ficava chateado quando minha mãe fazia isso comigo quando era pequeno. Meu filho sabia, sentia que eu estava triste. Foi nesse momento que me perguntei: O que me tornei? Será que era isso que queria ser? Fechei os olhos e senti. Disse:
- Filho, vou te levar a um lugar bem legal!- Ele disse “eba” bem intenso e o arrumei. Saímos bem dispersos. Ele me perguntava se era no Shopping, se era o Club, a casa de vídeos Games ou fast-food. Não! É algo melhor, um pedaço perdido e quase morto. Chegamos naquela rua, ainda cheia de flores e ao fundo. Descemos do carro. Segurei sua mão com toda segurança e por um momento não havia mundo. Já não me importava o amanhã. Já não queria competir com os melhores profissionais e os únicos gigantes que cresciam eram os rochosos Orc’s. Já não me sentia pequeno, mas alguma flama ardia no meu peito de forma tão imensa. Olhei para ele e disse:
- Você sabe que lugar é esse? É o reino de Shintaidea. Aqui tudo é possível, e os servos e habitantes desse reino esperam ansiosamente o mais destemível guerreiro.
- Quem é ele, papai?- disse meu filho com uma cara de espanto.
- Ora, é claro que é você- Ele riu com o sorriso mais satisfatório do mundo, não questionou nada, apenas entrou com facilidade no outro mundo. Dei um graveto para ele que imediatamente tornou-se uma Excalibur. E disse: Você é muito poderoso, olhe como isso se transformou por sua causa. Olhamos em volta e podemos vê fadas voando e derramando pequenos pozinhos cintilantes como vagalumes. Pequenos homenzinhos sorrindo. Todos os povos estavam ali para vê os valentes cavaleiros retornar ao reino. E todo espaço do mundo se tornou pequeno demais para nos dois. E todas as palavras realistas e que feriam o interior não curtiam o efeito, porque as palavras magicas nos protegiam. E eu sentia meu peito encher, não era mais o mesmo, voltei as minhas origens. As folhas caiam e o vento levantava aquele tapete. Precisávamos fazer uma saga em busca dos objetos roubados do nosso reino. Não, eu não era tão grande assim, aquela cidade que era pequena demais. Quando olhava para meu filho, só conseguia enxergar dentro dos seus olhos a transparência da alma. Um cotoco que só queria brincar, e jamais se importaria com o que vestirei ou o que comerei, o que pensão de mim, ou com observações como “olha o que aquele homem vesti de tão ridículo”, “olha que pensando idiota daquele outro”. Não. Esse mundo não existia. Pouco importa os compromissos e a imagem que venderei. Olhei para meu filho que era tão pequeno e que nunca mediria alguém pelo tamanho e me via na imagem perdida.
Por aquele momento não mais existia momento. O peixe não era fisgado, o peixe criava suas lendas e crescia num enorme aquário do tamanho do mundo. Os sonhos eram do nosso tamanho. Só por um momento frágil olhei a ultimo casarão velho, jurei que avistei uma senhora simpática sorrindo para mim. No solavanco do relance voltei e não havia mais nada.
Jurei a mim mesmo, poderia não haver mais nada como nunca há nada, mas em algum lugar aquela senhora ria das peripécias da vida satisfeita da criança que alimentava o homem que me tornei.



Licença Creative Commons
O trabalho A busca dos cantos para encantar: O mundo do encanto ou conto de sonho. de Vinícius Luiz foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada.
Com base no trabalho disponível em peregrinoeopoema.blogspot.com.
Podem estar disponíveis autorizações adicionais ao âmbito desta licença em http://peregrinoeopoema.blogspot.com/.

domingo, 18 de setembro de 2011

Escadas da narrativa ou um texto sem título.

Uma praça matriz bem no centro de uma cidade. Muitas pessoas cruzam todos os dias. Ali, os estudantes costumam passar o tempo dos intervalos e os aposentados passam o tempo que lhes falta. O mais interessante é vê as fotos que ali são tiradas.
Sei que muitas fotos ali já foram feitas. Mas uma mãe bem afeiçoada traz as crianças para curtir um piquenique de maneira simples e graciosa como nas boas famílias. O pai esbanja um enorme sorriso ao empinar a pipa sobre o céu. As crianças (que são seis) acompanham boquiabertas. E es que de repente surge a cena, a família se reúne em algum centro e o pai pede a qualquer passante simpático que lhe tire a foto. Flash!
Como que se pudesse guardar aquele momento para sempre. A imobilidade de um sorriso. As pipas listradas e o gramado de domingo. O instante é. Tudo aquilo para sempre parado- jamais se chegaria à velhice e nem a tristeza e nem a doença e nem. Será que poderia chamar isso de nada? Essa foto que toda a família esta reunida imortalizada ecoa. Assim são as vidas e pequenas fotos. Sei saber que entrelaçam outras fotos tão sem importâncias para passantes e mais passantes.
Em outro canto, vejo um promissor talentoso rapaz que aprecia as artes e que costuma a ganhar trocados para suas farras expondo seus quadros de pintura sobre o óleo. Seus toques suaves de semideus pincelam a tela virgem. E como uma brincadeira, ele tenta recompor aquele ambiente. Namorados. Cachorros que pegam o disco giratório no ar. Pessoas que leem livros. Pessoas que riem. Pessoas que andam de barco no lago. Pessoas que tomam sorvete. E aquela família que tirava foto como que numa graça divina é reproduzida na tela de pintura sem sentir. Sem entender e nem ao menos sabe o nome do pintor. É claro que o pintor havia sentido seu jovem coração pulsar, afinal artista precisão de inspiração, e naquele dia, uma jovem menina de Blusa cor do céu passava e deixava sua marca.
A jovem menina de blusa cor do céu tinha uma enorme preocupação- seu ciclo menstrual estava atrasado há algumas semanas e ela tinha muitas duvidas em mente. Ela queria apenas ter a certeza que não era aquilo que ela pensava. Dentro da bolsa estava o resultado, mas não tinha nenhuma coragem de abri-lo. Respirou fundo e olhou para os lados. Achou um banco comum e sentou-se.
Uma senhora catadora de papelão via uma menina de blusa cor do céu ao longe chorando no telefone e ela parecia muito mal. Quando se aproximou do banco, ela já tinha ido embora aos prantos. Mas ela havia deixado...
Virginia parou nessa frase. Estava cansada e já escrevera muitas coisas. Tentava lembrar-se das imagens que via de sua janela naquele dia. Olhou o relógio do criado mudo, marcava onze e meia da noite. Teria que palestrar no dia seguinte e seus olhos pregavam as pálpebras duras. Como muito esforço, ela tentava se lembrar de qual seria o destino daquela jovem menina de blusa cor de céu. Olhou para o lado e viu uma pilha de papeis. Começou a fuçar sem nenhuma pretensão- as folhas desbotadas que ali estavam era um resumo de uma faxina sem sucesso. Virginia era uma mulher espiritualizada e certa vez leu que arrumar o armário e jogar coisas velhas folhas era presságio para o novo chegar. E Virginia queria o novo. Era isso que esperava como fome voraz. Olhou para seu conto sem nenhum apetite de termina-lo e não sentia a menor simpatia por ele. Levantou e foi beber água.
Retornou ao quarto novamente quando se lembrou de por um titulo ao conto. Olhou novamente para tralha de papeis. Fuçou e chegou a anotações de romances que pretendia escrever. Aquela altura se perguntou por que não? Mas achou as intensões um tanto ingênua. Ela era uma mulher consagrada no oficio e tinha um nome a zelar. Olhou cartas. Lembrou-se dos amores. E sempre por um acaso qualquer é aquele menino impossível que a marcou que estava perdido não somente em pilhas de papeis usados mais no surrado coração principalmente.
Olhou as letras e cheirou tentando trazer na mente aquele dia. Um menino tímido que entregava a carta num bar da faculdade com um sorriso dizendo que aquele poema era dela.
Voltou para o quarto. Vazio. Talvez fosse assombrado. Sentiu um gosto salgado na boca e logo percebeu que se tratava de sangue. Logo, levou as mãos à boca e uma bolha enorme de sangue cai na palma. Achou estranho, mas logo lembrou de que não era a primeira vez que isso tinha acontecido. Foi ao banheiro e olhou-se no espelho e começou a lava a boca. O ralo se enchia de sangue e a pia de branca tornou-se vermelha.
Votou ao quarto. Precisava terminar o conto.
A senhora catadora de papelão encontrou papeis sobre o chão rasgados. Ajuntou pacientemente como se fosse o criador e pode criar novamente um poema de amor.
Aquela senhora costumava a catar objetos e coisas perdidas que julgava um tanto sentimental daquela praça. Entre essas coisas tinha uma foto rasgada de uma família de oitos pessoas e um lindo quadro a óleo que reproduzia aquela praça. Entre todos os objetos tinha um que ela deseja entregar ao verdadeiro dono...
Ela estava aflita e fitava o relógio. A todo o momento recebi muitas visitas, mas não podia falhar naquela cerimonia que estava marcada. De fato, iria anunciar uma grande noticia.
Começou a preparar as coisas, primeiro, olhou a lista e deu ordem as criadas. Depois foi a cozinha e quis preparar o bolo. Com toda calma do mundo separou os ingredientes, pois era um costume ser perfeccionista para ocupar a mente. Necessitava de elogios, de cortejos e de atenção para afastar de si às horas mais obscuras do dia.
Os ingredientes caiam aos poucos na vasilha assim como os pensamentos mais borbulhantes e secretos que tentava ocultar no ID. Por que a necessidade das festas? Por que a necessidade de estar cercada de pessoas? Como se isso lhe assegurasse o esquecimento e a alegria ainda que momentânea. Sentiu que seria a tampa para um amargo vazio. Sentiu repentinas ânsias, mas esforçou-se para não vomitar. Devia estar bonita e bela para aquela noite- iria mostrar a todos convidados sua casa elegante, seus artifícios luxuosos e sua pintada alegria. Queria que todos vissem com uma estampada vaidade o seu marido bonito e rico- sim, ela era capaz de conseguir alguém que a sociedade exigia aos mais promissores talentosos. Queria que todos vissem seu sorriso e os beijos de amor que ela sempre sonhara.
A massa ganhou forma homogênea e, então, ela sentiu fincadas na barriga. Pensou em crianças, pois gostava de admirá-las. Seu marido não aprecia o gosto, muito menos labradores o agradavam, pois davam trabalho e gastos. Era mais uma boca e ele era um homem promissor em negócios e sabia o quanto um detalhe fazia falta nos balanços mensais.
Quando terminará de confeitar o bolo, subiu ao seu quarto para arrumar seu corpo como convinha uma atraente dama. Vestiu uma blusa azul cor do céu- a preferida do marido. E olhou-se no espelho. Asilou a barriga e se sentiu pronta quando a empregada disse que boa parte dos convidados estava no salão. Desceu.
Eram tantos sorrisos e tão poucos que alcançavam dentro da alma. Uma mulher famosa beijava o resto para supor a um tabloide que a conhecia. Beijos. Judas, mas não haveria nenhum cristo crucificado e nem profanidade. Havia sim o status que pagamos. Havia sim o alto e fino brilho de uma estampa. As águas tão claras lavavam as mãos de Pilatos. Em seu amago, vinha uma profunda tristeza. Talvez sentisse um preludio ao pior. E se seu marido não gostasse de surpresas? E se nada desse certo?
Os risos arrancavam da testa a certeza de que ela era a melhor. De que o pedestal seria somente dela. Ela sentia isso- uma profunda raiva de quem quisesse seu lugar. Os risos bem ao fundo queriam sorrir pelo enorme tombo que ela poderia levar ao descer as escadas. Os aplausos queriam aplaudir um enorme barraco de tapas que ela poderia exercer com seu marido. Mas não, não daria o gosto.
Ao fundo, as barreias e carros blindados não serviam de nada. Nenhum tratamento anti-sinais e estresse poderiam eliminar a mortalidade do artificio. A máquina de enormes tubos que é o corpo, como seus diversos fios condutores e canais. Sabia que não podia segurar tudo sobre o vento, mas não processava essa informação, iria de qualquer forma ser tudo. Mostraria isso a todos. Os risos das mulheres que desejam seu cabelo e sua vida lhe agradavam. Os risos mais secos e miasmáticos que contundiam os tubos- sangue entupia sobre as veias. É o artificial corpo que também mostrava sinais robóticos sobre os sentimentos.
Ao certo, todos aqueles amigos de nada serviam quando tudo que lhe foi artificio e máquina tiver um pane. Os sorrisos em seu intimo dizia que eles sabiam chegar onde queriam. Todos sabiam com quem falar e quais vias, escadas e tubos atravessarem para chegar o mais rápido antes que os restos cheguem à ultima posição. Todos os amigos de nada lhe serviam quando o dinheiro acabasse e os rumores das festas chegarem ao fim. Todas as luzes iriam se apagar. Todo o homem não lhe poderia adiantar- por maior que seja o pênis.
Então o rastear do tempo, resplandecer dos olhos transparecia de que nada poderia esperar de seus amigos. Nada de ninguém. Nada precisava dela. As horas obscuras chegaram e ela temia. Sabia que seu marido acabara de chegar à festa pelo murmúrio das vozes. Mas queria sentir o choro, cansada estava dos risos. Os risos eram o mau sinal. Quando tudo vai bem, suspeite de que algo ruim chegará em breve. Onde ela lera isso mesmo? Precisava ir ao banheiro e não ia demorar nem mais um segundo.

Chegou lá. Olhou-se no espelho e as lágrimas brotaram dos olhos. As lágrimas brilhavam turvas e calmas. Dentro do espelhar das gotas podia vê. Podia vê o quando era doente. Onde ela poderia ir. E quando a festa acabar? Quem irá segurar sua mão para dominar os pesadelos? AS Insônias? Como controlar tudo isso- o medo de perder o marido e de ficar pobre. Olhou para as pernas e viu sangue. Não podia acreditar que por debaixo de sua cara saia jorrava sangue. As crianças pulavam amarelinha numa largada fachada de cimento. Era um calor escaldante e os mais velhos reclamavam do horário de verão que mudaria a meia noite. Um sentimento puro brotava quando via pequenas crianças rirem. O riso puro de uma criança- dizem que uma fada nasce assim como uma estrela, basta uma criança nascida ri. Ela estava trancada nos próprios muros, no próprio ego, nos subterfúgios que criara para a fuga. Queria esquecer tantas coisas, mas aquele sangue era real. Tocou e sujou a alva mãe de puro escarlate. Sangue carmesim de um imaturo cordeiro.
Chorou. Não! Aquilo não podia acontecer... Seu sonho. As mãozinhas em miniatura. Pedaços começaram a descer das pernas como vomito- era uma mistura de pequenas migalhas de miolo de pão sobre o molho vermelho. Suas lágrimas eram tão fortes e o desejo da morte crescia cada vez mais. Quando viu uma pequena bola de sangue. Será saborosa? Seria a salvação? Seria a Hóstia? Será salgada? Queria ser salva e comeria aquilo de novo- aquilo teria que voltar ao corpo. Parecia um grande nódulo de tumor que estava enraizado pelos risos artificiais produzidos pela grande maquina do corpo. Pegou com cuidado entre as mãos e levou à boca.
Virginia acordou suada e assustada. Um pesadelo que a levava a correr quilômetros de um grande maníaco que a queria matar. Ofegava com velocidade e rapidez. Não, o sonho não avia comprido seu papel- ela se lembrava de cada parte e sentimento como se fosse vivo. Achou que seria melhor ir à cozinha e beber um copo de água.
Quando voltou, sentiu sua boca o gosto salgado do sangue e foi ao banheiro do quarto e começou a cuspir no ralo. Olhava no espelho e via as olheiras assombrosas. Nunca tinha vivenciado um sonho tão intenso e que lhe perturbava os sentidos. Decidiu que iria ao medico quando amanhecesse e naquela noite não conseguiria pregar mais os olhos.
Olhava o teto mergulhando em tristes lembranças de artista. Levantou-se e foi ao quarto que não frequentava há muito tempo. Abriu a porta da solidão, andou pelo corredor escuro e sem criados. Tocou na fria maçaneta e abriu a alma. Entrou num compartimento infantil. Havia um berço e enxovais seminovos que pelo estado nunca foi usado. Brinquedos cor de azul e verde. Ela tocou nas fotos e começou a chorar. Desesperada torcia para que o dia ganhasse força. Precisava daquilo.
Quando dormiu sobre o chão agarrada pelo urso de pelúcia os primeiros raios de sol tocou a pele húmida e aos poucos abria os olhos. Logo se levantou, disfarçou longas camadas de sofrimento com maquiagem e vestiu-se elegantemente. Pediu um taxi e chegou ao hospital.
Ficou alguns minutos sentada na sala de espera. Olhava as mães e seus filhos. Olhava os anciães com suas enfermeiras e tentava tirar algum resquício de aprendizado daquilo. Tentava guardar os gestos e jeitos. O medico a chama pelo nome e logo receita um encaminhamento para a psiquiatria e uma lista grande de exames. Ela sai turbulenta e pega outro taxi.
Sabia que pagava caro pela escolha da solidão e isso lhe trouxera mazelas no corpo. Tentou pensar no destino daquele conto ridículo e pediu o taxi para que parecesse na praça. Pagou e o dispensou.
Sentou-se num banco e começou anotar algumas ideias. Era inevitável o pensar. E sentiu uma vontade súbita de por fim aquilo. Jamais se perdoaria. Jamais. Decidiu e seria naquele dia. Quando estava pronta para ir embora levou um susto. Tinha uma velha mendiga catadora de papelão na sua frente muito maltrapilha como num filme de terror. Elas ficaram paradas uma para outra sem a menor reação. Quando a velha levanta a mão e entrega um papel. Ela pega e sai do eixo às pressas. Quando estava dentro de outro taxi abriu o papel que era um folhetim dizendo Jesus te ama.
Natan estava mergulhado naquele livro. E não conseguia entender o porquê Virginia não se perdoava e o que ela tinha decidido naquele dia.
Todos os dias ele fazia a mesma rotina. Estava de férias e não queria voltar a dar plantões naquele encardido hospital tão cedo. Escolheu um hotel rural e velho. Diariamente, saia, comprava um jornal e sentava no banco do salão nobre. Subia o elevador e via uma criança o fitar com olhar de medo. A criança cutucava a mãe e a ela brigava com a criança. Abria o quarto e tentava deixar tudo sobre o controle. Fechava as janelas, pois o clima daquele lugar não era um dos melhores. Era um céu muito cinzento e as pessoas eram um tanto estranhas. Algumas falavam o básico e outras nada diziam. E o mais esquisito era que outras pessoas não costumavam a olhar nos olhos. Natan nunca se importou com aquilo, já que era frio e sua profissão também exigia a falta de sentimento. Natan era jovem e atraente. A sua personalidade é marcada por querer ser o melhor. Não é por sua culpa, já que fomos criados para sermos o robô numero um. E não bastam você ser um servente, todos nasceram para dominar e mandar. Como se o mundo só precisasse de pessoas que reinam e que as tarefas manuais e simples são inúteis. Como que só houvesse uma única casta eleita e escolhida pelos céus e era nesse sentido que Natan se achava especial. Qualquer pensamento contrário ao seu era inferior e ele era bem seleto com as pessoas. De fato, ele era um jovem bem culto e já tinha uma pilha de livros em seu histórico pessoal.
O que marcava Natan era a tentativa de lembrar as coisas. Sempre fora um homem inteligente e lembrava facilmente de qualquer detalhe. Mas esquecia de simples detalhes como onde guardou sua caneta ou até mesmo quando deveria voltar de férias. Tentava não pensar nisso, pois evitava. Não queria se sentir ridículo e menor por esquecer-se de coisas banais. As camareiras já não visitavam seu quarto e isso o incomodava. Reclamava todos os dias no telefone e limpava seu quarto. Detestava desorganização e já havia acostumado com o correto jeito de ordem.
Naquele dia o dia desse jovem rapaz mudaria, saiu como de costume. Vestiu o melhor paletó para impressionar e foi. Estava tudo sobre o controle dizia a si mesmo. Olhava o espelho e se sentia perfeito. Foi até o jornaleiro que pouco o encarou e pegou o jornal. Andou e sentou-se na praça. Sentiu uma sensação de estranhamento. Que bizarro- ele não pagou o jornal e ninguém disse nada. Havia esquecido de pagar o jornal. Foi até o jornaleiro e disse que se esquecia do dinheiro. O homem fez pouco caso. Naquele instante, sangue de Natan subiu. Estava com sua melhor roupa, tinha dinheiro e era um sucedido medico para ser desprezado por um simples jornaleiro. Disse barbaridades, mas nada foi feito. O homem continuava como se nada tivesse acontecido. Pegou todo dinheiro da carteira e jogou na cara do homem e disse que poderia comprar a banca inteira. O homem ficou parado alguns minutos olhando reto em direção a Natan. E ele achou que era o momento certo de retribuir o desprezo e sair em triunfo final.
Natan sentou-se no banco que costumava sentar. Abriu o jornal e sentiu novamente o estranho. Algo escapava de suas mãos e isso o incomodava. Não. Ele já havia lido aquilo. Levantou-se e foi subir para seu quarto. Esbarrou na moça elegante de vermelho. Não. Aquilo já tinha acontecido. Abriu a porteira do elevador. Natan sentiu medo. O que estava acontecendo? Quando abriu a porta do andar que desejava viu a senhora com seu filho. O menino sentiu medo e agarrou as saias da mãe. Natan fez uma língua e saiu. O menino danou-se a chorar alto que encheu o corredor de barulho. A mãe dizia já disse que não tem nada aqui. E ele achou um insulta e decidiu que iria embora daquele lugar de pessoas mal educadas que o desprezava.
Chegou ao quarto e decidiu fazer uma de suas leituras e pegou o livro. Virginia estava no quarto pronta para o suicídio. Cuspia muitas bolas de sangue e sabia que iria morrer. Pensou no seu marido. Quando Natan leu essa linha sentiu uma fisgada. Pensou: Virginia precisa se perdoar por nunca ter me dado um bebê. E começou a lembrar-se que conhecia Virginia e que amava. Pousou os olhos na linha que Virginia dá um tiro na boca e largou o livro. Não. Já tinha lido aquilo. E Virginia não havia se perdoado e eles não tiveram filhos. Algo escapava das mãos de Natan. Ele poderia enlouquecer? Onde está Virginia? Olhou o quarto organizado e via de que nada poderia por a ordem que mais desejava. Correndo saiu daquele quarto e foi correndo no corredor deserto gritando socorro. Alguém precisava socorrer sua amada Virginia. Foi quando decidiu rabiscar o livro e escrever outra coisa.
Abriu a porta. Pegou o livro e tudo foi tão claro como nunca tinha sido antes. Natan lembrou-se de quando beijou Virginia pela ultima vez e quando saiu para o plantão. Nesse dia, tinha sido assaltado e levou um tiro no peito. Não. Ele não estaria morto. Olhou em volta e tocaram a campainha. Natan sentia muita dor de cabeça e alguém abriu a porta.
- Desculpe Sr. Natan. Pensei que demoraria mais tempo para que o percebesse seu estado. Geralmente pessoas como você demoram anos para perceberem- era um senhor de idade que lhe falava e que tinha feições serias. Continuou:
- Bom, aqui não é um lugar de descanso. Mas precisa ir para um hospital e cuidar de sua saúde mental. Acredito que poderá sofrer com isso.
Natan olhou o velho e não poderia acreditar. Não. Aquilo era um sonho e imediatamente deveria acordar. Fechou os olhos. Contou. Um. Dois. Três. Quatro. Abriu e viu muitas pessoas. O dia não era mais nublado-Era um lindo dia de sol. Saiu de seu quarto e viu um corredor repleto de funcionários uniformizados e pessoas felizes. E tudo escapara de seu controle e por alguns instante sentia a dor, pois nenhuma daquelas pessoas se importava e nem notava sua elegante presença.

Criam-se personagens, caro leitor, como Natan e Virginia e eles ganha vida própria. O que dizer das interferências de deusa pagã de Virginia nas estórias da praça matriz e da bela mulher de blusa azul cor de céu? O mesmo não pode dizer de Natan, pois era um leitor da vida de Virginia, alguém já havia escrito uma cópia - se não foi à própria que o fez. De fato pequenas estórias contribuem para grandes estórias que não sabemos e que nem ao menos nos damos conta. Essas são fotos, livros, filmes, pessoas, lugares e tantos pontos e vírgulas. Nunca nos damos conta de que uma simples frase ouvida pode mudar o percurso de nossa linha.
Você deve estar perplexo com as interferências que fiz na estória. Mas não sou o autor- ele morreu no inicio da primeira frase desse conto. Sou apenas um narrador ou digamos algo que liga o seu consciente. Creio que nesse momento que lhe conto milhões de sentimentos, livros e experiências que vivenciou se abrem junto com cada página. E de fato, meu leitor, iras criar uma nova visão em cima dessas linhas e letras que talvez expresse outro sentimento para você- um sentido que será só seu. O que peço é que escute a voz perto de seu ouvido. E se permita chegar onde quero para que possamos dar um fim a esse... Vejamos: conto.
Eu posso imaginar que talvez você sinta medo, antes de dormir, deva imaginar a existência de fantasmas e mais encostos malignos que possam de alguma forma influenciar seu conto. E se seu livro pessoal já estiver escrito e alguém estiver lendo? E se de alguma forma pessoas das quais sua limitada visão não consiga enxergar esteja participando de sua estória? E se em outro lugar o que é chamado de realidade possa existir e tudo isso que vivencias não passa de um sonho? Será bem que você é o vivo da estória? E se fores tu o morto e em outro canto existir vivos? Deixa apenas os mortos enterrar seus mortos! Escute isso e pronto.
O fato de estar sozinho em frente ao computador ou de frente a um livro, não pode significar a certeza. O fato de você poder apalpar uma substância solida e ter visivelmente a percepção da linha de um percurso não é direito para descarta possibilidades. Não olhe para os lados agora, leia primeiro. Tenho certeza que tem alguém aí pedindo que você enxergue os fatos que estão debaixo de seu nariz. Por mais que tu queiras que suas ações sejam de semideus e que tudo esteja no controle de suas mãos, nunca será. Esqueceu o guarda-chuva e veio um temporal de verão. E nunca será capaz de entrar na mente de alguém e nunca será capaz de compreender as maiores camadas de inconsciente. Existem coisas que mudam em você, desejos que apareceram, traumas que nem sabia que existia e nunca estará satisfeito por mais que tenha um aparente controle. Poderás sonhar outros sonhos, montar outra pauta de vida para conquistar e até mesmo pode se jogar na natureza sem destino só chegaras a um destino que é a falta das lacunas que formou seu eu.
E seu um louco tiver certo? Já imaginou se as ficções da mente de um louco for uma realidade? Sim, aquela estória faz sentido para louco- Essa é a verdade dele. E se por um acaso qualquer um louco for um intermediário entre uma realidade maior que não possamos compreender? Que nossa imaginação não possa alcançar. Já parou para pensar que os grandes gênios dessa nossa narração planetária foram tidos como loucos?
O que traz tanta certeza a você, leitor? Talvez seja mais fácil dizer que tudo isso é mentira e uma enorme bobagem. Essa é uma forma de fuga comum aos seres humanos. É mais saudável e feliz você olhar apenas para sua linha da vida e fazer de tudo para que ela seja preenchida. Mas se você morrer amanhã? E se o instante de nossa morte for esse instante? Dizem os franceses que a vida é feita de pequenas mortes. Nesses instantes é o que desejo chegar. E ainda sim matarei você quando chegar a ultima frase desse conto e sentirás porque te disse. Somente porque anunciei.
Um homem de fato ira morrer em você, meu leitor, e nascerá outra coisa que não terá o controle assim como Virginia e Natan. Diferente do jovem pintor promissor que tinha outra visão da praça. E não é a sua visão que importa e nem a verdade. Mas é o quadro cubista de todas as visões que contam essa estória.
Contar uma estória sempre será saber mentir. Afinal, foi essa mentira que sustentou a humanidade inteira e sustentará. Quando de fato, a família tirou uma foto na praça matriz fez um recorte do real momento. Quando uma fofoca é alcançada por milhares de ouvidos e logo distorcida para alimentar corações perversos e sustentar uma fantasia é uma forma de manter o homem de pé. Você talvez, meu leitor, seja um adulto e reclama das crianças quando elas inventam um bicho-papão. Mas é normal, você também faz isso! Mentiras e crianças podem ser impertinentes mais elas são essências para que nossa maior ficção continue. Mas jamais se esqueça, caro leitor, que por mais que seja mentira sempre ouve primícias que a sustenta. Um dia numa praça matriz alguém faz um ato banal e os olhos e ouvidos construíram nossos pilares. Nosso tripé e sustância essencial para dizermos que somos algo, que temos um passado e sabemos para onde vamos. Pois buscamos essa certeza sempre. E se minha narração não passar de uma coisa de sua mente? Será que de fato entendeu minha mensagem que pretendia escrever no inicio do conto? Como chegar ao real? Será que essa palavra dá conta de todo significado que acarreta seu signo? Não meu caro, nunca chegaremos. Algo nos escapa das mãos. E essa possibilidade que faz a vida mais interessante e é esse caminho que me enche os pulmões de uma profunda graça. Essa alegria vagabunda que faz meu vaso cair ao chão e distribuir cacos. E tenho certeza que os deuses riem disso, talvez sejamos marionetes em suas mãos. De fato, a arte tenta imitar isso, mas ela também escorrega entre os dedos. Por mais que um autor morra e por mais que um narrador se ausente- É você, caro leitor, que levará os cacos disso. Mas logo me vem uma angustia- Como Dizer a mim mesmo que tudo isso que me aconteceu não passou de um mero sonho?


Licença Creative Commons
A obra Escadas da Narrativa ou um texto sem título de Vinícius Luiz foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Obras Derivadas Proibidas 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em peregrinoeopoema.blogspot.com.
Podem estar disponíveis permissões adicionais ao âmbito desta licença em http://peregrinoeopoema.blogspot.com/.

quarta-feira, 10 de agosto de 2011

As reflexões do irmão gêmeo.

Edmundo era um rapaz comum e visivelmente tinha alguns atrativos. Conheceu uma jovem chamada Ângela que também tinha uma beleza para a sociedade e algumas posses. Ângela por sua vez, vivia uma vida agradável e tranquila no confortável apartamento em Copacabana com sua mãe- D. Lucinda. Ângela sempre sonhava em encontrar um homem perfeito como qualquer mulher, não tinha uma vida de exageros, mas passou uma boa parte da sua juventude em Casas de festas das orlas do Rio de Janeiro. Ela gostava de mostrar as pessoas em volta o quando era feliz e achou que cercada com um bando de meninas (que aparentemente diziam ser amiga) seria a melhor forma.
Dona Lucinda era uma cinquentona já vencida e passava boa parte do tempo remoendo um caso ilusório de amor- Seu Társio. Ele por sinal, sempre fora uma charlatão mulherengo, e tinha diversos filhos espalhados por aí, inclusive Ângela, sua predileta. Lucinda ficava sempre solitária no ape aterrado esperando as noitadas da filha- desiludida e decepcionada, pois Ângela não tinha o menor talento para os estudos. Sempre desconfiava das armações e mentiras que a menina aprontava desde cedo para ter vida fácil. No fundo, Lucinda só queria que Ângela fosse como as meninas de suas amigas madames que passava para as faculdades federais dos cursos de engenharia, medicina e direito. Pois o resto não matinha o padrão e costume das classes. Lucinda queria que a vida de sua única filha fosse diferente da dela – que fugirá do nordeste onde a pobreza e a parentada ignorante a incomodava- tinha horror a pobre. Por artimanha da vida, Ângela sempre tratava de gostar de homens das favelas, aumentando cada vez mais o desgosto e o arrependimento da criação mimada da mãe.
Foi quando Edmundo entrou e mudou as vidas fadigadas das nossas personagens.
Edmundo engravidou Ângela, como havia dito, é um bom moço. Era a coisa ideal para fazer o vazio de Ângela ser preenchido. D. Lucinda gostou da relação, pois havia acalmado as noitadas de sua filha. Logo, Edmundo foi morar no apartamento junto delas e assim nasce a filha- Luana.
Era uma vida perfeita. Edmundo ia aos domingos na igreja. Arrumou um trabalho. Visita os pais na baixada. Passeava com Luana de carrinho. Ângela começou a ser mulher de vez como sonhava e via nos filmes de princesas da Disney. Comprava milhares de bonecas e coisas cor de rosa como um enorme passatempo quando a mãe e Edmundo estavam no trabalho.
Quando Ângela ficava no apartamento sozinha era atormentada alguns fantasmas. Será que Edmundo a traia? Ignorava esses pensamentos, pois sabia que ele era o homem mais tranquilo que conhecia. Mas a dor de não ter dado um menino como filho a atormentava.
É claro que Edmundo estava feliz, morava em Copacabana e tinha confortos que nunca teve. Mas alguma coisa acontecia quando ele se olhava no espelho.

Outro ponto da cidade. Leblon.
Gustavo era um rapaz muito bonito e isso era seu maior talento. Tinha os olhos somente para tratamento de sua beleza. Todos os dias fazia sua rotina, ir à farmácia comprar cosméticos, malhação na acadêmica e ensaios de fotos para postar nas redes de relacionamentos na internet. Sabia que não poderia deixar seus “fãs” desapontados, pois alguns faziam fakes e brincadeiras de suas fotos. Isso de certa forma preenchia os espaços de Guga e tudo era melhor quando fitava sua imagem no espelho.
O espelho que nunca iria mentir- o espelho que era o melhor amigo de uma geração.
Você pode ser ator dizia alguém e isso aumentava o coração. E ele sabia cada vez mais que espelho jamais podia mentir.

Um aposentado quebra o espelho depois de um golpe de ira. E esses são seus frágeis pensamentos naquele instante.
Meu amigo, espelho, só restou a ti. Quem pode contar com um velho? Meus filhos me detestam sem duvida alguma, pois o que poderia esperar? Fui um péssimo pai. Essas mulheres de bar só querem dinheiro.
Espelho, ouve! Fiz-te pedaços. Preciso chorar. Nunca ninguém me viu chorar, pois sempre achei que isso é coisa de fraco. E isso que vejo- sou um fraco e desbotado. E tu refletes esse homem. Esses olhos míopes junto de cabelos grisalhos. Quem sabe meu espelho, se você fosse magico me mostraria um homem de bem. Um homem jovem e feliz que cultivou um lar- uma família.
Quem sabe meu espelho, você me mostre um menino perdido e que resisti a tantas rugas. Um menino que luta agonizando contra o tempo e que jamais morrerá. Um menino que busca presentes debaixo de uma arvore de natal sempre.
Você não pensa, espelho, espelho meu! Pensar é errar e estar cego e surdo.

Uma atriz famosa dentro do camarim.
Ela mirava no espelho pensamentos que borbulhavam o coração. Já pouco importava se ela era aquela, só queria ser bela, isso é o que importa. Juntava as fotos que saia nas capas de revistas colava no espelho para poder se admirar.
Mas sobre o desbotar das tintas e o explodir dos brancos a fez cair das alturas e perder todo glamour de um pavão. Do que valia aquela cor fingida sobre a textura do tingimento, não era sim o mundo, a vida? Não seria um contentamento sobre as cores do desgosto? Lembrou-se que já usou tantas cores do cabelo e nem sabia qual era sua verdadeira cor.
Por fora era como todos sempre quiseram- a moda. Mas isso a matara aos poucos. Escondido estava algumas partes que ela mais gostava. Coisas que ela queria vê sozinha, as coisas que ela queria dizer, as roupas que queria vestir se fosse normal, os lugares que queria estar e as pessoas que queria conversar.
Mesmo assim, nada mais lhe importava do que elogios e os olhares invejosos que as mulheres lançavam desejando seu corpo, sua roupa e sua vida. Saber que muitas pessoas desejam sê-la preenchia seu ar e ela faria tudo para que isso continuasse.
Mas estava morta.
Sua busca fora dizimada. Nunca se importava o que ela era. Só ali diante do espelho podia dizer a si mesma- Essa sou eu. Precisa dizer ao fundo, bem íntima a si mesma que ela era aquela e mentalmente dizia que se amava depois de longas horas de texturas de pó colorido. Pois sentia falta de sentimentos profundos e não artificiais.
O espelho jamais mentira.
E com o ar de bruxa megera olhava seu reflexo e dizia cheia de si: não há ninguém mais bela do que eu. Era desse jeito que se permitia o esquecimento das dores.
Então fora loira, morena, meretriz, cortezã, Ana Beatriz, Maria e Madalena. Só nunca seria como sempre quis.
...
Enquanto isso, Gustavo fitou- se no espelho e sabia que faltava um pedaço de seu irmão. Podia ser fome? Podia ser sua alma gêmea? Embora sentisse, não sabia o que era e nem onde o procurar. Mas no fundo o que o mantinha de pé sobre o escaldante sol das manhãs era a certeza de que o espelho não erra.

Sobre o reflexo de Edmundo tiramos um final e talvez uma imbecil moral.
Edmundo comia sua imagem. Sabia que o espelho era o intercalado, invertido e o ilusório. Enquanto pensava nas frágeis sutis aparências se distraía com as possibilidades do espelho. Era a função do espelho distrair as mais profundas camadas do inconsciente humano.
Desde modo, Edmundo se levou na imagem. Via uma superfície dura o movimento da pedra da rua. O polimento do brilho dos olhos junto dos reflexos que deformavam todas as máscaras.
Pensou o quanto a realidade era dura. O quanto ser feliz o incomodava. Estava preso por instintos de necessidade com uma mulher estranha- a qual não amava. Tinha uma filha que não era sua. Por quê? Por que precisava usar alguém para não se sentir só e rejeitado? Por que precisava de carinho? Para mostrar a sociedade que era capaz de ejacular e reproduzir? Para seguir os padrões e os bons costumes tradicionais da bíblia? Sim, o mundo necessita de machos alfas e mulheres sendo arrastadas pelos cabelos.
O espelho que só sabia especular entrava sem licença nos outros Edmundos.
Logo, Edmundo pensou em como seria bom transar com um homem ou com uma criança. Quem sabe uma participação de uma orgia? Acordar e engolir o próprio vomito depois de um longo porre. Era jovem demais para viver aquela vida que escolhia. Se é que ele escolheu.
O espelho era a possibilidade e não mentiras.
E numa fração de reflexos, toda felicidade bandida o incomodava. Sentia longas náuseas. Não suportaria mais olhar as fotos dos sites, a vida brilhante das celebridades, o rasado corado das bochechas, os dentes brancos, a pele alva, a religião cristã e os bons preceitos da moralidade, as invenções dos dons e virtudes. Todas as paixões lhe causavam ânsia de vomitar porque sabia que os sentimentos são de plásticos.
Ele só sabia enxerga a fome dos desabitados, ele só sabia pensar por pensar, não ocupava a mente nos jornais com tabloides fúteis. Ele via claramente o desmatamento, a seca, o seco interior, o instinto de sobrevivência. Quem era o homem? Seria a felicidade propriedade do mundo assim como uma posse material?
Por que ele era honesto diante de tanta falcatrua? Então a mão do espelho desdenhou tomar a forma da mão de Edmundo. Era um irmão cruel e despeitado que desejava a perfeição dos movimentos. Já que ele era sem vida e uma cópia queria mostrar coisas na mente de Edmundo que lhe trouxesse a falta. Seus pensamentos se fundiam como um punhal que se grava no cásulo de Gregor Samsa. Esse casulo vai apodrecendo com um tempo deixando apenas marcas. Escuridão traumática. E tudo que fora compreendido se perdera nas formas assim como o vento que se confunde com as aves e borboletas com flores. O céu refletido de verdades diante de uma coisa que os homens fogem- a realidade crua cruel.
O tempo cansado rezou parar no fundo de um espelho.
Edmundo tinha uma certeza- arrumaria suas coisas e partiria naquele dia sem rastrear sinais no mundo deixando Ângela e Lucinda perplexas.
Ângela desolada finalmente achou algo para aumentar o vazio e passou a consultar tudo: Universal, sessão do descarrego, Búzios, tarô e mandingas. Só não se atrevia a olhar o espelho, pois não tinha um em casa.
Enquanto Edmundo sumia a ganhar a tão sonhada liberdade aos poucos morreria para aquela casa. Mas mesmo assim o espelho insistia em refletir sua imagem nos outros. O outro. Os outros. O outro. O outro. O outro. Outro...
E o espelho não podia mentir, pois era feita das propriedades da alma localizada no dorso da epiderme. Errar é coisa de humanos, mas o espelho não é humano. Já previam os ancestrais que eles arrancavam as almas. Seus reflexos polidos revelavam a Merlin todos os segredos do mundo assim como pode transporta aos mundos das Alices. Os irmãos gêmeos sugam os desejos mais secretos do homem.
O espelho por não pensar, jamais poderia errar. O espelho é preciso e não opõe o risco. Pensar é riscar o fosforo e querer dizer tudo enquanto houver chamas.



Licença Creative Commons
A obra As reflexões do irmão Gêmeo de Vinícius Luiz foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em www.peregrinoeopoema.blogspot.com.
Podem estar disponíveis permissões adicionais ao âmbito desta licença em http://www.peregrinoeopoema.blogspot.com/.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Os meninos.

Uma parte minha ficou naquela pequena cidade e outras partes que nem fazia ideia da existência despertou. Ainda lembro-me dos olhos radiantes de sol do menino do interior. Seu sotaque. Sua forma de dizer a vida. Ele era um sonhador e levava os cantos numa eterna brincadeira.
Talvez já nem faça ideia de como é a poeira do solo sobre a roda do carro, e tampouco devo lembrar-me do cheiro puro dos vegetais tingidos de orvalho. Mas jamais se apagou seus braços em meu corpo e sua molecagem maneira de ser engraçado. E quem sabe um dia, iremos pescar como combinamos?
Só sei que nas margens do são Francisco deixei minha margem com cacos de risos. Junto de bochechas rosadas com tons de lama e ali nas chuvas imprevisíveis sobrou um beijo molhado.
Ontem estava eu preparando um artigo para publicar no dia seguinte no jornal. E quando acabei me deparei com o escuro de meu quarto calado. Só discutia com minha alma e minha aura ascende mais uma vez. Deparo-me com uma imagem de um menino tímido e isso me leva a acelerar meu coração. Lembro-me das estórias de Gabriel e suas cabritas meninas, talvez deva chegar aos cem anos desejando a virgindade de um menino maduro. Talvez eu só queira a pureza de um tempo, ou quem sabe, o tempo ria nos calcanhares de ponta pés de minhas mais novas alucinações. Tentei controlar minha mente, não sabia ao certo onde queria chegar. Mais quando mais o ego tenta por limites ao campo psicológico mais a painel de controle perde os manuais.
Alguém me chama a porta- escuto a campainha.
O menino do interior estava ali a metros de alguma distância que já podia contornar. Essa mesma que permeia nosso horizonte-Era minha aura cheia de luz aurora nostalviva de outrora da ausência que ele me deixou. Ele gritava meu nome do jeito que gostava de ouvir. A forma que entrava como musica aos ouvidos despindo o nú que vestia meu ser.
Notei que ele já não era mais aquele menino, sim, se tornará um rapaz bem mais atraente. Ainda continha os mesmos sonhos. Quando ele falava, só sabia notar o brilho dos seus olhos tão claros. Esse brilho emanava o ambiente e me aquecia do medo. Eu, coberto de incertezas e inseguranças. Eu que não sabia permitir e já nem sonhava algodões. Tudo que sabia sobre teorias de livros perdia sua forma perto dele.
Ele dizia que eu havia se tornado importante, pois quase não me encontrava em casa. Disse a ele que só tinha tempo para a vida acadêmica. Ficamos calados um bom tempo. Esse tempo que nos compensava o silêncio da distância. Esse tempo que completava uma pauta semipreenchida. Logo perguntei sobre o céu do interior comparado com o do Rio de janeiro, já sabia da resposta- havia mais estrelas. Por sinal, sempre soube das respostas que ele me daria. Já sabia o que ele poderia gostar e qual filme ele poderia parar quando mudo de canal sobre meus tiques nervosos sobre os botões do remoto. Ele começou a nomear as estrelas- uma coisa que nem sabia e que tampouco me chamava atenção. Aquilo ganhou proporções como se eu tivesse um espaço radiante de muitas luzes. Num tempo onde espaço e hora se fundiam e já não havia compromissos de situar classificações às coisas. As coisas eram as coisas por si só.
Em outra parte ponderada, num pátio desabitado, passou um desses meninos que a vida joga de supressa. Era mais um do interior que rodopia piões nos giz de barro. Ele é amante da arte e de coisas tão simples. Pouco sei dele, mas o que sei é suficiente para arrancar distintas ficções e narrativas que nenhum outro escritor tocou. A forma de mascar um palito como se fosse um capim da serra. As fogueiras traçadas nas nossas brasas. Um céu formado de balões. Não há de saber meu nome e nem direi nada. Pois guardei as formas das tintas, os olhares singelos e toda coleção do dizer que é simples meu interior.
O menino do meu interior já nem era menino. Dentro dele havia presente, passado e futuro. E por mais homem que ele se torne, ali materializado permanecerá sempre.
O rapaz me disse que faria um prova no dia seguinte que poderia mudar sua vida e que ele moraria aqui dependendo do resultado, tentei acalma-lo. Contei das experiências que tive e que a tranquilidade é um fator de enorme vantagem.
Ele parava e me fitava. Senti uma espécie de respeito por aquele outro menino. Esse confiava em mim em coisas que nem eu mesmo declinava. Mas ele estava tão apagado, precisei de uma limpeza nas lentes embaçadas. E mais uma jarro forte de luz e uma voz ao fundo. Escutei a voz me dizendo: Liberte as mágoas.
Em outro canto, um menino me viola entre portas. Abrindo as janelas ao ponto de despertar doces primaveras. Ainda sinto os olhos em mim esperando meu falar- mesmo as mais triviais formas de perceber o mundo em volta. Este menino é diferente do interior. Sempre único.
Um dia perto do mar- onde era nosso lugar comum- olhei bem em um ponto fixo (pois aposto que se olhasse nos seus olhos não teria coragem) e disse que não poderia mais sermos amigos. De alguma forma não poderia ser completo compartilhar um menino em outras mãos. Pude sentir alguma lágrima de seus olhos que refletiu nos meus. Mais como dizer o que eu queria dizer? Como seguir sem seu jeito? Sua voz... Como? Depois e nunca mais.
Queria arrancar forças. Queria poder dizer sem nenhum compromisso as madrugadas como é meu amor. Logo outro jato de luz e mais uma voz dando ordem. Lembrei que estava em um consultório de hipnose e que pagará caro por uma sessão de esquecimento. Uma técnica do futuro que apagava uma lembrança da mente. Naquele ponto, onde mais podia chegar? Não mais tenho chão, céu, estrelas e nem uma coleção de arte. Estou partindo para algum caminho que me levará para outra coisa que já não sou.
Enquanto o menino do meu interior esse também vai regressar para alguma terra distante de mim. Ele não se despediu, pois não tem costume e tratou logo de ir sem muitos rastros. Enquanto a luz vinha nas pálpebras e íris. Apagava o telefone...
Enquanto a luz... Vinha uma caminhada minha, eu corria e debaixo da janela- ele sonhava que um dia ia me avistar. Apagava o endereço. Enquanto a luz, eu era risadas de tardes. Eu era a chuva inesperada. Apagava os planos. Apagava os retratos. Apagava os traços.
O menino do meu interior ainda se faz mais forte quando vou alguma festa e não o vejo. Quando marco algum encontro. Quando em outros lábios beijo. Quando cruzo com algum olhar. Quando espero alguém se arrumar. Quando atendo o telefone. Talvez me falte uma lembrança. E talvez por essa ser tão longe é que a falta se faz mais presente- cada vez mais sinto a presença de algo que não sei dentro de mim.
Então, fecho a porta do quarto e entro em coisas que quero lembrar por esquecer- coisas que já não são as minhas (Coisas que nunca foram minhas). Somente fito as capsulas de narcóticos e suas pretas tarjas. As luzes vêm para trazer apenas um infinito quadro onde me apago: Apagava pontos.
No escuro interior entendo que sou habitado por tantos meninos. Mas há apenas um que sempre volta.



Licença Creative Commons
A obra Os meninos de Vinícius Luiz foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em www.peregrinoeopoema.blogspot.com.
Podem estar disponíveis permissões adicionais ao âmbito desta licença em http://www.peregrinoeopoema.blogspot.com/.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Mapas das terras passadas.

Eram sonhadores daqueles em que a mãe dava beliscões de vez em quando. Viviam sempre filosofando coisas vãs e aparentemente sem sentido. Seu passa tempo preferido era olhar o mar juntos. Eram amigos que não se desgrudavam dias e noites.
Pensavam que por detrás das linhas dos oceanos existiam novas terras daquelas que só ficavam nos sonhos. Terras essas que eram douradas e poentes de sol, repleta de encantos de sereia, bichos de cinco patas e mulheres radiantes de beleza desnuda- Como era nos tempos do Éden.
Um desses amigos só pensava no mar como aventura, queria sentir as ondas, pois gostava do campo da incerteza. Já estava cansado da mesmice- aquela vida era extremante igual ao restante dos humanos. No seu imaginário, sonhou um dia montar uma caravela e alcançar a terceira margem do mar- onde haveria o encontro dos rios e dos oceanos. Só assim poderia ele chegar à concha a qual ouvia desde pequeno o canto perdido das sereias nas águas escuras- Onde as terras misteriosas e profundas não podem ser mergulhadas nem uma vez, pois encontrar-se-á seu eu tão desabitado.
Então, não deram ouvidos aos sussurros, os três amigos nem prestavam atenção nos vizinhos que titubeavam malucos e loucos como nos dilúvios de Noé, construíram de vez um enorme barco e foram ao encontro do perdido. Um perdido deles mesmo para um encontro de apenas um.
Chegaram a tal terra e deslumbrados de tão beleza esqueceram-se do tempo. Descobrindo jazidas de ouro, riquezas inimagináveis que cresceram as artérias do puro coração. Deixando rastros de sangue.
Do paraíso vestiu-se purgatório onde fincaram uma enorme cruz de madeira em nome de todos os santos. Quem ia imaginar? Nem os três amigos podia imaginar que seus sonhos se tornariam escravidão, fome e cobiça. Enquanto uma parte pequena desfruta das grandes vantagens de descobridor querendo mais.
Nesses mapas desenhados pelos amigos não mais existia flores e belas arvores. Os rios aos poucos diminuía a intensidade do fluir. Então surgem chamas por todos os lados consumidas por uma vertigem de fumaça sobre céus que não mais refletem a cor dos mares- todos transmitem as cinzas do ser degradado. As mulheres perdem a inocência e trajam alguma roupagem veluda. Os três amigos não mais amigos, vivem de negócios e ódio e sangue. Negócios. Sangue. O sonhador louco se perdeu nas águas salgadas dos grandes navegadores. Porque navegar era preciso, é preciso. Viver? Viver é preciso? Viver é incerto e ninguém atinge. Então, as novas terras com fome voraz se tornam velhas terras.
Terras corrompidas por antigos ditadores dos tempos jurássicos justificadas pela bandeira da fé- Em nome Do deus e das aves quantas inquisições, quantas fogueiras, quantas torturas, quanto papel de pão foi escrito a arte, quantas repressões, quantas e quantas. Sobre um jazido feudo como nos contos de fada, surgem burgueses tão belos expandindo suas terras e ampliando seus lucros. Um mercado saturado de tantas ofertas e produtos. Surgem tantos sonhadores por pilhas de livros surrados. Aí que tédio narrar! Sonhadores brilhados de utopia sem perceber da ilusão do que é o novo que é velho. Para haver respeito aos demais camponeses, restos e baratas civilizatórias precisa-se a compra de um titulo. Então pobres artistas de alma e burguês exibem seus títulos sobre uma fachada em Ipanema, Barra ou qualquer sul. Mas esqueceram do brega que é querer atingir os nortes mundiais. Submundo descontextualizado.
Depois de queimar livros numa fogueira infinita- necessitamos de analfabetos. Mais? Muito mais! Quanto mais burros, melhor será o efeito do esquema dominó. Mais mortes inconscientes, mais filhos da revolução nas melhores universidades publicas- já que nossas escolas tradicionais católicas são feitas por nos mesmos. Manteremos o domino sobre a pirâmide sagrada onde só os escolhidos são eleitos e chamados.
Enquanto isso, um grande respeito brota em meu interior por esses barões de café donos de um monopólio de frota de ônibus. Esses senhores transporte também detém milhões de escravos que dependem desses lixos para chegar ao trabalho. Esse mesmo respeito me vem por esses grandes políticos eleitos por eles estampado nos seus jornais, pago por eles (senhores das novas terras)com luxuosas campanhas. Esses políticos que esquematizam a melhor maneira dos senhores café viveram felizes para toda eternidade. Amém!
Rapidamente, um montueiro de formigas tenta representação, mas os fogos dominam as cidades. Tudo é trevas e só se faz a expansão de rastros de sangue. Nada e ninguém podem fazer greve.
Os tiranos sentados confortáveis apertam o botão para que haja prisões dos desconfortáveis. Tiranos que tampam as vozes daqueles que gritam esfomeados com matérias inúteis nas capas de seus jornais verdadeiros e extremamente sérios.
Em nome de alguma entidade surgem templos sobre rochedos avançando por todas as novas terras como praga de plantação justificados por uma dor- trauma causado por esses bichos intitulados humanos. Agora surgem outros amigos, que não mais sonha com os mares, dispostos a atingir terras além-céu. E outros que já vende um lote dessas terras santas para os que só querem calma e sentimentos.
Assim e assim, nem mais ou menos assim, surgem sonhadores encantados por outras margens. Fatigados pela embragues do comum. Eles mesmos se esquecem do ridículo que é sonhar. Nessas terras habitadas exigem o normal.
O normal é contentar-se de doente e seguir um valor criado por uma vontade primeira- talvez essa mesma justificada por algum papiro inexistente divinamente humano. No fundo, todos os amigos e escravos tem um numero imaginário no pescoço. Todos vivem uma caverna de beleza ditada por um molde comum. Todos dão a morte suas almas para ser igual a todos. Uma grade invisível feita com as próprias mãos. Alguns ainda acham o qual ridículo e atrasado é o homem das cavernas e suas pinturas nas grutas. Outros riem com deboche irônico da politica dos romanos no coliseu. Orgulho preenchido por ter um carro voador? Só por ter atingido a lua? Porque descobriram uma vacina que os torna imortais?
Coisa pratica e vê um telejornal é acreditar em uma verdade. Sentar no sofá e só se importar com o programa de domingo. Ir todas às vezes numa semana na academia e planejar uma dieta para atingir aquele corpo helênico. Isso é ser feliz por completo, não pensar muito, ou quem sabe, destruir toda a estrutura sistemática das novas terras e ser torna um barão. Então você dará a todos eles um pão para que não grite mais e um circo para ocupar a mente. Esqueça de vez o quanto é ridículo esse nariz vermelho!
Três amigos cruzaram o mar em busca do novo. Sonhadores que não existem e nem existiram, mas movimentam uma linha imaginária. Somos algum sonho de três amigos do passado que nem nos imaginou. Depois de tantos planejamentos, teses, livros, dogmas e autocontrole tudo chega nisso? Nessa bosta. É isso que chamam de futuro presente? Futuro é coisa de gente iludida. Morto é o senhor do tempo cansado de rolar nas paginas as mesmas areias passadas e repetidas. Sonhamos um sonho de alguém que nem existi mais, sonhos são comprados com o próprio corpo e despidos das propriedades da alma. Vendem agora na tela outros baratos que nem terras velhas nos levam. Esses amigos sonhadores nem imagina no pesadelo que se tornamos. Então pra que sonhar? Alguém me belisca!
O futuro da à tapa uma face palhaça.
Um amigo se perdeu. Ele só queria o mar. Ninguém nunca mais ouviu falar dele. Um dia descobriu a imensidão de chegar à outra linha que se escondia dentro dos mares. Linha que ninguém teve coragem de ir. Chamaria isso de esperança ou fuga?



Licença Creative Commons
A obra Mapa das Terras passadas de Vinícius Luiz foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em www.peregrinoeopoema.blogspot.com.
Podem estar disponíveis permissões adicionais ao âmbito desta licença em http://www.peregrinoeopoema.blogspot.com/.

sábado, 7 de maio de 2011

Prólogo das coisas desabitadas.

Quando leres estes versos
lembra-te do que sentes.
Procure na palma de suas mãos
O que tens de melhor.

Nas vias da vida
desenrola um rolo de croché de todas as linhas.
Seja um gato despercebido das brincadeiras.

Se balanças o rabo
quando me leres nos teus versos:
Sentiras-me poema.

Precisa ouvir-te e buscar
no fundo dos teus eus desabitados.
Talvez, quando leres isto tudo já serás
manhãs, me és tardes. Crepúsculo.

Quando me leres amarais cem vezes,
sem o sê-lo. Cem sentir.
E quem sabe ao entardecer dirá palavrões.
Então purgará por sem ditos.

Amarais realmente, mas o mundo condena.

Quando me leres
pensará em filosofia
Ou nas festas das tuas juventudes.
Levantará de manhã cansado da rotina
e só então pensará na morte, me exaltará.

E quem sabe ao me ler
já pode ser noite das peles fritadas.
Escaldadas de sol. Talvez me sinta.
Só então medo e angustia.

Quem sabe me lerá
com pudor das volúpias?
Quem sabe entre seios
poderá revigorar-se dos tédios?

Entre partidas nádegas.
Entre meias palavras ditas.
Entre concertos e velhos
já não atritará nessas mentiras.

Ao certo, nunca me lerá igual.
Esqueça-te. Apaga tuas linhas. São inúteis.
Ao me ler daqui a cem anos
só fará em ler-te.

Assim vamos como rastros
sem qualquer rumo.
Procuramos pistas
dessas peças que pregaram.

Assim vamos como mimeses
dos nossos palcos
como plateia sem aplausos,
como quadros a nos pintar.

Assim vamos tecendo
o molde de poeta
com o próprio sangue-
escrito nos versos do corpo nú.

Assim damos o acaso
dos nossos suores.
Noites em claro
esperando parir.

Quando me ler
luta contra teus olhos.
Apaga tudo que foi dito.
Assim nem me verás mais: assim...

Passaram-se décadas.
Quando me lerdes
Já é tempo
e só então, olhará o redor.

Assim nascemos sobre dores de parto
Só para nos partir. Só assim
Iras me ler.

Assim acordes e colcheias
nos fazem palavras grafadas.
Guardadas não como tesouro, mas
com a intensidade das coisas da alma.

Assim as breves notas
com o canto dos líricos.
Sopro.
Musica lacrada por ti.

Quando me ler qualquer dia
pode procurar a musa.
Não achará só uma, mas duas...
Rosas despedaçadas.

Pode achar ruim ou não.
Pode sentir o que tens em mão
Assim já o é, já não é.
Somente será...

Assim tentamos preencher o vaco
com pedaços de ser assim.
Assim quando lemos
lutamos para mais um dia nos esquecer.

Somente quando ler isso. Olhe os reflexos
desses singelos versos que não o é se não o lerdes.
Ele nada tem, se você não trouxer e se não o levar.
Todas as linhas são espelhadas em ti.

Assim entenderá de vez: Quando me lerdes poderá verdadeiramente se vê dentro.



Licença Creative Commons
A obra Prólogo das coisas desabitadas de Vinícius Luiz foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em www.peregrinoeopoema.blogspot.com.
Podem estar disponíveis permissões adicionais ao âmbito desta licença em http://www.peregrinoeopoema.blogspot.com/.

quarta-feira, 9 de março de 2011

O palhaço que fazia chorar.

Senhoras e senhores, respeitável público, bem vindo ao mundo dos circos! Um mundo estranho, mas o qual vocês nunca poderão sair sem ri e gargalhar. Nesse mundo tudo é possível. Aqui toda cambalhota é por nossa conta. É claro que não sobrará piruetas. Sempre é se pode sentir o cheiro de pipoca. Todas as cores vivas e extravagantes de nossas casas feitas de lona. Sempre podemos tira um coelho da cartola ou flores, se você preferi. A sociedade vivia tranquila e majestosa, só havia um ser estranho: um tal palhaço chamado Bonnes.
Bonnes não era de muitos amigos e não costumava a fazer apresentações. Talvez não houvesse encanto no oficio. Certo dia, esse que marcou cada habitante de Circolândia, o palhaço diferente fugiu de nossas terras sem mais retorno.
Em uma terra distante era carnaval e todos já apresentavam suas mascaras sobre o rosto. Enquanto a banda levantava o bloco com as marchinhas. A única obrigação era a felicidade. As serpentinas iam ao céu ainda nublado de tantas águas que se vinha sobre o verão. Eram urros e vozes embriagadas com a alegria. E uma tal Mocinha já sentia as dores de um amor, lá no meio, espremida e embargada no formigueiro de euforia.
Bonnes caminhava pelas ruas e fugia da alegria. Já estava cansado de qualquer barulho, e por ser palhaço, ele jamais poderia chorar. Tinha curiosidade de saber o que seria oposto dos sentimentos, queria um dia derramar lágrimas, mas não conseguia. Mas Bonnes tinha um plano em mente. Aquela era a festa da alegria e logo chegaria ao fim, foi então que pensou em fazer seu espetáculo. O plano não podia falhar.
Enquanto a banda passava e chamava os que estavam à toa na vida. O estandarte empinado como um pavão exibia seu excesso de escândalo sobre a multidão. As cores não mais se escondiam, elas podiam ser todas em uma. E as senhoras já não tinham cansaço, nenhum homem se lembrara de contas mensais, todos os amores foram perdidos e assim abria-se a avenida. O palhaço espreitava pelos cantos a hora de começar o espetáculo.
Era o fim. Quarta-feira de cinzas. Só restavam fantasias rasgadas ao chão. O bumbo e a bateria já não faziam barulho e nem se quer havia tumulto. Só havia uma menina. A mocinha desiludida de amor com o vestido florido rasgado. Um vestido polido, cetim, frágil assim como era as vias de cada forma de sonhar. Lá pelos cantos havia um mendigo feito animal a catar os cacarecos que mal podia se achar.
O palhaço se espantou, finalmente aquele lugar era diferente de sua terra. Lá os risos e gargalhadas eram tão constantes. Ali, todas as cores tinham um fim e um prazo a chegar. Era uma alegria feita como o vestido florido para acabara sobre cinzas.
O palhaço ia ao centro de todo resto e começava seu espetáculo. Só a mocinha poderia enxerga suas cores tímidas. Ele punha a mão ao rosto e tentava força lágrimas deixando a mão cair sobre a face, assim só fazia mais elasticidade. Ele nada sabia a não ser esconder e escorregar as mãos no rosto. E nem havia graça e gozação em cada gesto. Poderia vir um guarda para tira-lo? Era um louco? Estava atrapalhando? Só restam trapos aos palhaços que se vestia com o rasgado vestido. E naquela terra não havia como provar seu talento, pois nem sequer um papel moeda o palhaço tinha. Então, ele não poderia perder mais tempo. Tirou do bolço uma flor e foi até a mocinha desiludida de amor. Entregou em suas mãos. E para qualquer espanto de todos os seres dessas terras, uma lágrima brotou do olhar, bem no canto e trouxe um clarão ao coração do palhaço. Ele fez alguém chorar.
A mocinha mal conhecia a vida, mas podia dizer que a dela era aquele encardido vestido. Era qualquer trapo. Era um final de amor. Um menino que a machucou poderia ri em qualquer outro bloco agarrado com qualquer outra. Então, vai que os sonhos são assim? Vestidos acabados e resgados. Findava-se tudo. A bailarina menina tropeçada no próprio rodopio. Uma mulata conquistada pelo vira-lata. Um malandro convertido de suas maldades. Uma pequena cidade sem claridade. Fantasias que voltavam para o barracão. Então uma pequena procissão. E a fé só restou. Nossos pedidos ao céu ainda nem chegou. A vida é esse vestido que você guardará para outro carnaval e nem se lembrará da quarta-feira. E fará dos últimos dias um instante. Um instante de qualquer sonho que não se pode acordar.
E o palhaço? Sei que ele anda por aí e também um coisa tenho certeza: Só houve um dia em que ele foi realmente feliz. O dia em que ele pode encontrar as lágrimas daquela mocinha porque só a lagrima é a liberdade.




Licença Creative Commons
A obra O palhaço que fazia chorar de Vinícius Luiz foi licenciada com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada.
Com base na obra disponível em www.peregrinoeopoema.blogspot.com.
Podem estar disponíveis permissões adicionais ao âmbito desta licença em http://www.peregrinoeopoema.blogspot.com/.