terça-feira, 18 de outubro de 2011

O sopro de cada dia.

O jeito de apagar no celular as mensagens antigas,
limpar o armário e as gavetas.
Amassar documentos e folhas esquecidas.
O jeito do vento desarrumar a ordem de mim,
de inventar novos degraus nos pensamentos,
de grão a grau nos traz bons ventos.
O jeito de passar o dedo no porta-retrato
fica o velho jeito de se apegar nesse não jeito.
O não esquecer que não se apaga
e essa vil tentativa de pega-pega desse invento.
Mas ficam os restos das folhas no quintal.
As linhas de tijolo das amarelinhas
Junto das silhuetas de um coração cravado na árvore.
Só resta no fundo o tempo rindo com deboche
da composição desses ventos.
O jeito de pensar no não feito que faz
o vento ir-me soprando dentro.


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O trabalho O sopro de cada dia. de Vinícius Luiz foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada.
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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

A busca dos cantos para encantar: O mundo do encanto ou conto de sonho.

Sempre fui menino curioso e nunca consegui prestar atenção devida a alguma coisa. Minha mente sempre dispersou nas camadas da imaginação. Quanto a meu Passa-Tempo preferido era brincar de ser explorador- saia por aí a procura de um lugar diferente, não um lugar comum, mas um lugar mágico.
As pessoas grandes sempre me diziam que essas coisas não existiam e tal, mas nunca acreditei nelas, já que elas mentiam umas para as outras e omitiam opiniões tão simples que jamais uma criança faria.
Numa dessas andanças, achei uma rua sem saída onde muitas crianças da minha idade brincavam. Era peão, pipa, bola e pique-bandeira. Essas coisas que crianças como vocês jamais saberão o que é. Tudo isso porque vocês preferem não arriscar a serem crianças e cresce démodé porque é mais sofisticada a marca de um site, um blog ou um movimento web qualquer.
Sempre me imaginei numa roda de pessoas, uma fogueira e estórias de encanto. E nisso os mais anciões contavam as lendas não de uma aldeia, mais de uma gente que é gente de carne, uma lenda que sobrevive ao chão e que necessita de outras lendas para sobreviverem. Ficava eu deslumbrado pelas chamas das fogueiras de são João que ganhava vida em seres encantados. Escutando flautas e precursões que me seduziam a me perder nas palavras. Era exatamente essa rua sem saída que me despertou não só os primeiros amores, mas a semente para o irreal.
Quando os meninos jogavam bola e outras coisas, lá eu estava no canto, contando as outras crianças menores minhas estórias. Escutava um ou dois meninos me xingarem: “Noah, seu maluco!” ou coisa como frutinha. Sabia que havia algo de diferente em mim, mas nunca até hoje consegui ao certo explicar o que poderia ser.
Mas havia algo de mais sinistro e aterrorizante naquela rua. Algo que nunca me despertou medo, diferente de todos os meninos mais normais, pois tinham pavor. Que era a ultima casa-nela morava uma velha sozinha e todos insistiam que ela era Bruxa. Até mesmo os adultos tinham repulsa por ela. A senhora tinha uma pilha de gatos e um enorme quintal travestido de vegetais, flores das mais variadas cores e arvores. Para dizer bem à casa que ela morava estava em mal cuidado, mas acredito que seja pelo motivo da velha morar só. Ela tinha um fusca marrom com alguns símbolos estranhos no espelho do meio. Na porta da frente da casa, tinha um circulo com espelhos e cristais.
De fato, a senhora sempre saia com seu fusca em toda sua fuga nunca olhou para cara de espanto de nenhum fedelho e tampouco deu um sorriso.
Certo dia estava eu no mercado quando me deparo com a velha bem de frente. Ela tinha olhos mais azuis e intensos que já vira. Fiquei parado, mas não era medo, sentia uma espécie de transcendência imaginativa. Ela me transmitia alguma paz e logo deu um sorriso, e sem mais, saiu. Eu poderia concluir que ela podia ter me reconhecido da rua ou quem sabe, ela sentiu o que senti a chamada simpatia. Mas resolvi nunca contar a ninguém, já me considerava estranho, imagina se cai na boca deles que a bruxa sorriu para mim?
Foi quando a rua inteira fez reunião. E todos tinham os mais terríveis pesadelos quando iam dormir e decidiram perturbar a bruxa na esperança que ela fosse embora. Todos os dias o bando de meninos e meninas pulavam o muro, tocavam a campainha ou jogava ovos podres na sua varanda. A velha nunca saiu e nem fez nada. E logo as ideias foram aumentando e como eu era o lado da corda mais fraco, decidiram que se eu fosse até a porta da bruxa e batesse, todos me considerariam corajoso e retirariam as palavras e apelidos feios contra minha pessoa. Eu aceitei, já que não tinha medo dela. Uma parte olhava com cara de espanto, o menino líder do bando, ria de modo sádico e maligno. Os subordinados queriam vê logo o sacrifício de uma pequena presa entregue ao mostro escuro das profundezas da rua sem saída.
Lá foram o bando, alguns ainda sépticos de minha escolha e outros loucos pelo espetáculo da isca presa no anzol. Quando chegamos a portão, o líder resolveu ir comigo, gabando-se que também era corajoso e logo dois capangas imitadores seguiu atrás. Pulamos o muro e chegamos à porta com toda cautela do mundo. Pude perceber que havia elementos de muito peculiar no seu jardim como pequenos objetos e algumas velas que clareavam a escuridão. Na porta, olhamos um para a cara do outro, então estendi a mão e pausei. O líder tirou meu braço do ar e bateu com tanta força que o som emitido parecia trovões. Os dois imitadores saíram correndo bem na frente, talvez cagando nas calças, e o líder me empurrou, cai de surpresa no chão sem qualquer reação e logo escutei gargalhadas sarcásticas e zombeteiras se afastando junto da imagem sem caráter do líder. Para meu espanto senti o trinco da enorme porta antiga de madeira polida se abrir e não demorou muito a figura da velha bruxa estava materializada na minha frente. Ela me encarou, e tinha mais sinais e verrugas do que o normal em sua face. Estendeu a mão, mas dessa vez não riu. Apenas dei a mão e levantei. Não demorou muito para me dirigir a palavra:
- sabia que você uma hora viria, mas agora em diante não se enturme com esses moleques que não entende nossa mente.
Eu juro que levei um susto, não pela aparência dela, mas por ela escolher essas palavras. Ela me categorizou como se minha mente fosse igual à dela? Logo me lembro de que continuou, mas não me olhava fixamente.
- Qual é seu nome jovem?
Disse Noah. E pude notar que ela estava calma e nem parecia zangada com tudo o que fizeram com ela. Então de seus lábios saíram outro discurso:
- olha, você quer entrar e tomar um chá quente? Eu aproveito e te ensino como se livrar daquelas pestes. Já estou acostumada com esse tipo de perseguição. Vamos!?
Entrei na sua casa e como imaginei havia muitos móveis antigos. Na sua sala de visitais pude notar enormes prateleiras de livros de couro. Todos me pareciam surrados e arcaicos. Havia uma lareira que estava acesa e que fazia o ambiente mais aconchegante. Ela fez sinal para que me sentasse em um das poltronas que estava cheia de gatos.
- Gripa, Circe, fausto! Deixe Noah sentar aí. Ande! – disse atônita a velha, logo houve o instante em que os gatos saíram da poltrona. Como não me aguentei de curiosidade não tardei a perguntar:
- senhora, desculpe, qual é seu nome?
- Ah, como sou mal educada, meu nome é Analise. Você pelo visto gosta de leitura, né?
Balancei a cabeça de modo que consentisse, ela logo foi consultar a estante enorme, ficou ali lendo baixinho cada titulo de maneira muito entusiástica. Com seus dedos de unha encardida demorou examinando como uma cientista alquímica. Então pude observar mais o ambiente, era uma casa de aspecto não tão assombroso, tinha um clima antigo e sábio. Então resolvi fazer perguntas:
- A senhora não mora com ninguém?
Ela continuou a procurar livros e respondeu:
- Moro com meus gatos e minhas plantas, afinal elas têm vidas como nós e eles têm mais sentimentos do que muitos humanos- ela veio com um exemplar de algum livro que não pude vê a capa. Entregou-me e disse:
- Tome. A partir de agora leia e conheça outro universo que pertence aos seus sonhos mais escondidos- olhou para mim com aqueles olhos de olheiras e tão azuis como o céu e riu com seus dentes amarelados. Ela foi até a lareira e pude notar que ela tinha muitas plantas e ervas. Eles estavam pendurados por ganchos numa parede falsa, ela escolheu alguns e jogou numa panela de ferro preta erguida na beirada da lareira. Não demorou muito ela tirou os elementos líquidos e botou nas canecas e bebemos. Lembro que o titulo do livro era “Lendas e tradições encantadas do sul da Irlanda.” e que dentro dele havia muitas gravuras de seres encantados como fadas e duendes. Eram a coisa mais bonita que já vi e realmente quem as pintou foi um grande artista. Então Analise logo me disse:
- Minha vó me deu esse livro num momento em que eu achava que era fraca e frágil. Todas as meninas tinham talentos como tocar piano, crochê e pintura. Eu sempre estabanada e nunca me senti confortável numa conversa. Os livros para mim foram à salvação- um mundo que criei e entrei onde pude ser aceita como sou.
Não demorou muito para Analise ser minha melhor amiga. Todas as tardes eu levava um novo livro e sentia que minha vida ia ganhando sentido nas colinas mais distantes, nos bosques, nos mundos subterrâneos, nos reinos menores, nos palácios de Gwyn, nas trilhas de Maria, na cantar dos reinos de cordel, nas Coletâneas de historias antigas, nas hierarquias de Thuatha de Danann, nas páginas de Lady Wilde e nas águas profundas de Moby Dick. Podia notar o quanto ela era uma boa cozinheira, suas palavras de sabedoria, o conhecimento de cada nome e finalidade das plantas, ela me ensinou cultivar a natureza com todo amor, sempre pegava gatos abandonados na rua e o mais bizarro que no seu telhado da casa tinha corujas que piavam na noite de verão. Não demorou muito e todos aqueles meninos foram se mudando da rua sem saída. E as arvores foram ficando mais floridas, a rua só tinha crianças pequenas que escutavam minhas estórias. Parecia que certo momento os pássaros paravam de cantar e que os gatos prestavam atenção em mim. O mais estranho nisso tudo que os sinais e rugas de minha amiga, Analise, iam aos poucos sumindo e toda fez que tentava perguntar sobre o assunto algo acontecia e nossa atenção se dispersava.
Até quando, entrou Gabi, uma nova moradora daquela rua e meu primeiro amor. Ela era uma menina muito espontânea e que tinha forte imaginação. Apresentou-me outro campo de leituras e ficávamos criando personagens e situações nas tardes mais resplandecentes onde os raios de sol alaranjado se punham no horizonte. Deitados numa grama de um tempo a mercê. Ao longe escutava as amarelinhas e barulho das cordas nos asfaltos. As cantigas... Ah, se essa rua fosse minha!
Aos poucos Analise sumia de minha vida, aos poucos sua aparência mudava, e suas lições ficavam fortes. Eu me encontrava no mundo- ou em qualquer outro mundo que criei. Não entendia porque Analise se afastava, mas não mais a encontrava em sua casa nas tardes que voltava da escola. Mas também me contentava já que Gabi era o centro de meu universo onde tudo girava. Onde minhas bochechas ficavam rosadas e todo sentimento das ondas do mar vinham dentro do estomago.
A última vez que avistei Analise, eu estava passando perto de sua rua e indo para minha casa, e vi na esquina distante uma bondosa senhora sem quaisquer verrugas e com o sorriso branco, trazendo a sensação de paz, acenando para mim, em seus pés havia uma fileira de gatos. Depois disso, todos dizem que ela se mudou, sem qualquer vestígio.
Cresci e fui para a universidade. Mudei-me para um lugar distante da rua sem saída. Também Gabi se mudou, e se encontramos em alguma festa, ela fazia historia da arte e eu jornalismo. Nossos sentimentos eram outros, o que me causou um enorme vazio. Mas não tínhamos o que dizer e me pareceu que ela estava acompanhada. Despedíamos como pede os costumes e fui para algum canto perto de meus novos amigos. A vida me pedia outra cara, outro modo, outros meios.
Casei com uma mulher de pura personalidade sem muitos atrativos, que me deu um bonito filho e tenho um bom emprego num jornal conceituado. Até que houve um dia que todo meu mundo por um momento desabou. Quando fui demitido. Meu chefe disse coisas do tipo que eu não era capaz, que sofreu prejuízos por minhas matérias e tantas coisas que me fazia controlar as lagrimas. Tudo que aprendia por um momento desabava- quer dizer que não sou um bom profissional? Estava cansado de tentar agradar a todos. Entrei no carro e liguei a chave, minha cabeça estava explodindo. Perdi-me dentro de um mundo de pessoas serias e que se alimentavam com desgraças alheias.
Quando cheguei a casa, dispensei as empregadas e fui até o quarto do meu filho. Ele estava dormindo. Olhei o relógio e vi que minha mulher demoraria cerca de uma hora. Como dizer a minha mulher isso? Que significava que todos nossos planos estariam cada fez mais longe. Meus sonhos estão despedaçados no chão e cada vez que olhava para meu filho dormindo, minhas lágrimas rolavam, pois minha vida agora era dele. O que será do seu futuro? Ele despertou e perguntou se eu chorava. Menti e lembrei o quanto ficava chateado quando minha mãe fazia isso comigo quando era pequeno. Meu filho sabia, sentia que eu estava triste. Foi nesse momento que me perguntei: O que me tornei? Será que era isso que queria ser? Fechei os olhos e senti. Disse:
- Filho, vou te levar a um lugar bem legal!- Ele disse “eba” bem intenso e o arrumei. Saímos bem dispersos. Ele me perguntava se era no Shopping, se era o Club, a casa de vídeos Games ou fast-food. Não! É algo melhor, um pedaço perdido e quase morto. Chegamos naquela rua, ainda cheia de flores e ao fundo. Descemos do carro. Segurei sua mão com toda segurança e por um momento não havia mundo. Já não me importava o amanhã. Já não queria competir com os melhores profissionais e os únicos gigantes que cresciam eram os rochosos Orc’s. Já não me sentia pequeno, mas alguma flama ardia no meu peito de forma tão imensa. Olhei para ele e disse:
- Você sabe que lugar é esse? É o reino de Shintaidea. Aqui tudo é possível, e os servos e habitantes desse reino esperam ansiosamente o mais destemível guerreiro.
- Quem é ele, papai?- disse meu filho com uma cara de espanto.
- Ora, é claro que é você- Ele riu com o sorriso mais satisfatório do mundo, não questionou nada, apenas entrou com facilidade no outro mundo. Dei um graveto para ele que imediatamente tornou-se uma Excalibur. E disse: Você é muito poderoso, olhe como isso se transformou por sua causa. Olhamos em volta e podemos vê fadas voando e derramando pequenos pozinhos cintilantes como vagalumes. Pequenos homenzinhos sorrindo. Todos os povos estavam ali para vê os valentes cavaleiros retornar ao reino. E todo espaço do mundo se tornou pequeno demais para nos dois. E todas as palavras realistas e que feriam o interior não curtiam o efeito, porque as palavras magicas nos protegiam. E eu sentia meu peito encher, não era mais o mesmo, voltei as minhas origens. As folhas caiam e o vento levantava aquele tapete. Precisávamos fazer uma saga em busca dos objetos roubados do nosso reino. Não, eu não era tão grande assim, aquela cidade que era pequena demais. Quando olhava para meu filho, só conseguia enxergar dentro dos seus olhos a transparência da alma. Um cotoco que só queria brincar, e jamais se importaria com o que vestirei ou o que comerei, o que pensão de mim, ou com observações como “olha o que aquele homem vesti de tão ridículo”, “olha que pensando idiota daquele outro”. Não. Esse mundo não existia. Pouco importa os compromissos e a imagem que venderei. Olhei para meu filho que era tão pequeno e que nunca mediria alguém pelo tamanho e me via na imagem perdida.
Por aquele momento não mais existia momento. O peixe não era fisgado, o peixe criava suas lendas e crescia num enorme aquário do tamanho do mundo. Os sonhos eram do nosso tamanho. Só por um momento frágil olhei a ultimo casarão velho, jurei que avistei uma senhora simpática sorrindo para mim. No solavanco do relance voltei e não havia mais nada.
Jurei a mim mesmo, poderia não haver mais nada como nunca há nada, mas em algum lugar aquela senhora ria das peripécias da vida satisfeita da criança que alimentava o homem que me tornei.



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O trabalho A busca dos cantos para encantar: O mundo do encanto ou conto de sonho. de Vinícius Luiz foi licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição - Uso Não Comercial - Partilha nos Mesmos Termos 3.0 Não Adaptada.
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