quarta-feira, 10 de agosto de 2011

As reflexões do irmão gêmeo.

Edmundo era um rapaz comum e visivelmente tinha alguns atrativos. Conheceu uma jovem chamada Ângela que também tinha uma beleza para a sociedade e algumas posses. Ângela por sua vez, vivia uma vida agradável e tranquila no confortável apartamento em Copacabana com sua mãe- D. Lucinda. Ângela sempre sonhava em encontrar um homem perfeito como qualquer mulher, não tinha uma vida de exageros, mas passou uma boa parte da sua juventude em Casas de festas das orlas do Rio de Janeiro. Ela gostava de mostrar as pessoas em volta o quando era feliz e achou que cercada com um bando de meninas (que aparentemente diziam ser amiga) seria a melhor forma.
Dona Lucinda era uma cinquentona já vencida e passava boa parte do tempo remoendo um caso ilusório de amor- Seu Társio. Ele por sinal, sempre fora uma charlatão mulherengo, e tinha diversos filhos espalhados por aí, inclusive Ângela, sua predileta. Lucinda ficava sempre solitária no ape aterrado esperando as noitadas da filha- desiludida e decepcionada, pois Ângela não tinha o menor talento para os estudos. Sempre desconfiava das armações e mentiras que a menina aprontava desde cedo para ter vida fácil. No fundo, Lucinda só queria que Ângela fosse como as meninas de suas amigas madames que passava para as faculdades federais dos cursos de engenharia, medicina e direito. Pois o resto não matinha o padrão e costume das classes. Lucinda queria que a vida de sua única filha fosse diferente da dela – que fugirá do nordeste onde a pobreza e a parentada ignorante a incomodava- tinha horror a pobre. Por artimanha da vida, Ângela sempre tratava de gostar de homens das favelas, aumentando cada vez mais o desgosto e o arrependimento da criação mimada da mãe.
Foi quando Edmundo entrou e mudou as vidas fadigadas das nossas personagens.
Edmundo engravidou Ângela, como havia dito, é um bom moço. Era a coisa ideal para fazer o vazio de Ângela ser preenchido. D. Lucinda gostou da relação, pois havia acalmado as noitadas de sua filha. Logo, Edmundo foi morar no apartamento junto delas e assim nasce a filha- Luana.
Era uma vida perfeita. Edmundo ia aos domingos na igreja. Arrumou um trabalho. Visita os pais na baixada. Passeava com Luana de carrinho. Ângela começou a ser mulher de vez como sonhava e via nos filmes de princesas da Disney. Comprava milhares de bonecas e coisas cor de rosa como um enorme passatempo quando a mãe e Edmundo estavam no trabalho.
Quando Ângela ficava no apartamento sozinha era atormentada alguns fantasmas. Será que Edmundo a traia? Ignorava esses pensamentos, pois sabia que ele era o homem mais tranquilo que conhecia. Mas a dor de não ter dado um menino como filho a atormentava.
É claro que Edmundo estava feliz, morava em Copacabana e tinha confortos que nunca teve. Mas alguma coisa acontecia quando ele se olhava no espelho.

Outro ponto da cidade. Leblon.
Gustavo era um rapaz muito bonito e isso era seu maior talento. Tinha os olhos somente para tratamento de sua beleza. Todos os dias fazia sua rotina, ir à farmácia comprar cosméticos, malhação na acadêmica e ensaios de fotos para postar nas redes de relacionamentos na internet. Sabia que não poderia deixar seus “fãs” desapontados, pois alguns faziam fakes e brincadeiras de suas fotos. Isso de certa forma preenchia os espaços de Guga e tudo era melhor quando fitava sua imagem no espelho.
O espelho que nunca iria mentir- o espelho que era o melhor amigo de uma geração.
Você pode ser ator dizia alguém e isso aumentava o coração. E ele sabia cada vez mais que espelho jamais podia mentir.

Um aposentado quebra o espelho depois de um golpe de ira. E esses são seus frágeis pensamentos naquele instante.
Meu amigo, espelho, só restou a ti. Quem pode contar com um velho? Meus filhos me detestam sem duvida alguma, pois o que poderia esperar? Fui um péssimo pai. Essas mulheres de bar só querem dinheiro.
Espelho, ouve! Fiz-te pedaços. Preciso chorar. Nunca ninguém me viu chorar, pois sempre achei que isso é coisa de fraco. E isso que vejo- sou um fraco e desbotado. E tu refletes esse homem. Esses olhos míopes junto de cabelos grisalhos. Quem sabe meu espelho, se você fosse magico me mostraria um homem de bem. Um homem jovem e feliz que cultivou um lar- uma família.
Quem sabe meu espelho, você me mostre um menino perdido e que resisti a tantas rugas. Um menino que luta agonizando contra o tempo e que jamais morrerá. Um menino que busca presentes debaixo de uma arvore de natal sempre.
Você não pensa, espelho, espelho meu! Pensar é errar e estar cego e surdo.

Uma atriz famosa dentro do camarim.
Ela mirava no espelho pensamentos que borbulhavam o coração. Já pouco importava se ela era aquela, só queria ser bela, isso é o que importa. Juntava as fotos que saia nas capas de revistas colava no espelho para poder se admirar.
Mas sobre o desbotar das tintas e o explodir dos brancos a fez cair das alturas e perder todo glamour de um pavão. Do que valia aquela cor fingida sobre a textura do tingimento, não era sim o mundo, a vida? Não seria um contentamento sobre as cores do desgosto? Lembrou-se que já usou tantas cores do cabelo e nem sabia qual era sua verdadeira cor.
Por fora era como todos sempre quiseram- a moda. Mas isso a matara aos poucos. Escondido estava algumas partes que ela mais gostava. Coisas que ela queria vê sozinha, as coisas que ela queria dizer, as roupas que queria vestir se fosse normal, os lugares que queria estar e as pessoas que queria conversar.
Mesmo assim, nada mais lhe importava do que elogios e os olhares invejosos que as mulheres lançavam desejando seu corpo, sua roupa e sua vida. Saber que muitas pessoas desejam sê-la preenchia seu ar e ela faria tudo para que isso continuasse.
Mas estava morta.
Sua busca fora dizimada. Nunca se importava o que ela era. Só ali diante do espelho podia dizer a si mesma- Essa sou eu. Precisa dizer ao fundo, bem íntima a si mesma que ela era aquela e mentalmente dizia que se amava depois de longas horas de texturas de pó colorido. Pois sentia falta de sentimentos profundos e não artificiais.
O espelho jamais mentira.
E com o ar de bruxa megera olhava seu reflexo e dizia cheia de si: não há ninguém mais bela do que eu. Era desse jeito que se permitia o esquecimento das dores.
Então fora loira, morena, meretriz, cortezã, Ana Beatriz, Maria e Madalena. Só nunca seria como sempre quis.
...
Enquanto isso, Gustavo fitou- se no espelho e sabia que faltava um pedaço de seu irmão. Podia ser fome? Podia ser sua alma gêmea? Embora sentisse, não sabia o que era e nem onde o procurar. Mas no fundo o que o mantinha de pé sobre o escaldante sol das manhãs era a certeza de que o espelho não erra.

Sobre o reflexo de Edmundo tiramos um final e talvez uma imbecil moral.
Edmundo comia sua imagem. Sabia que o espelho era o intercalado, invertido e o ilusório. Enquanto pensava nas frágeis sutis aparências se distraía com as possibilidades do espelho. Era a função do espelho distrair as mais profundas camadas do inconsciente humano.
Desde modo, Edmundo se levou na imagem. Via uma superfície dura o movimento da pedra da rua. O polimento do brilho dos olhos junto dos reflexos que deformavam todas as máscaras.
Pensou o quanto a realidade era dura. O quanto ser feliz o incomodava. Estava preso por instintos de necessidade com uma mulher estranha- a qual não amava. Tinha uma filha que não era sua. Por quê? Por que precisava usar alguém para não se sentir só e rejeitado? Por que precisava de carinho? Para mostrar a sociedade que era capaz de ejacular e reproduzir? Para seguir os padrões e os bons costumes tradicionais da bíblia? Sim, o mundo necessita de machos alfas e mulheres sendo arrastadas pelos cabelos.
O espelho que só sabia especular entrava sem licença nos outros Edmundos.
Logo, Edmundo pensou em como seria bom transar com um homem ou com uma criança. Quem sabe uma participação de uma orgia? Acordar e engolir o próprio vomito depois de um longo porre. Era jovem demais para viver aquela vida que escolhia. Se é que ele escolheu.
O espelho era a possibilidade e não mentiras.
E numa fração de reflexos, toda felicidade bandida o incomodava. Sentia longas náuseas. Não suportaria mais olhar as fotos dos sites, a vida brilhante das celebridades, o rasado corado das bochechas, os dentes brancos, a pele alva, a religião cristã e os bons preceitos da moralidade, as invenções dos dons e virtudes. Todas as paixões lhe causavam ânsia de vomitar porque sabia que os sentimentos são de plásticos.
Ele só sabia enxerga a fome dos desabitados, ele só sabia pensar por pensar, não ocupava a mente nos jornais com tabloides fúteis. Ele via claramente o desmatamento, a seca, o seco interior, o instinto de sobrevivência. Quem era o homem? Seria a felicidade propriedade do mundo assim como uma posse material?
Por que ele era honesto diante de tanta falcatrua? Então a mão do espelho desdenhou tomar a forma da mão de Edmundo. Era um irmão cruel e despeitado que desejava a perfeição dos movimentos. Já que ele era sem vida e uma cópia queria mostrar coisas na mente de Edmundo que lhe trouxesse a falta. Seus pensamentos se fundiam como um punhal que se grava no cásulo de Gregor Samsa. Esse casulo vai apodrecendo com um tempo deixando apenas marcas. Escuridão traumática. E tudo que fora compreendido se perdera nas formas assim como o vento que se confunde com as aves e borboletas com flores. O céu refletido de verdades diante de uma coisa que os homens fogem- a realidade crua cruel.
O tempo cansado rezou parar no fundo de um espelho.
Edmundo tinha uma certeza- arrumaria suas coisas e partiria naquele dia sem rastrear sinais no mundo deixando Ângela e Lucinda perplexas.
Ângela desolada finalmente achou algo para aumentar o vazio e passou a consultar tudo: Universal, sessão do descarrego, Búzios, tarô e mandingas. Só não se atrevia a olhar o espelho, pois não tinha um em casa.
Enquanto Edmundo sumia a ganhar a tão sonhada liberdade aos poucos morreria para aquela casa. Mas mesmo assim o espelho insistia em refletir sua imagem nos outros. O outro. Os outros. O outro. O outro. O outro. Outro...
E o espelho não podia mentir, pois era feita das propriedades da alma localizada no dorso da epiderme. Errar é coisa de humanos, mas o espelho não é humano. Já previam os ancestrais que eles arrancavam as almas. Seus reflexos polidos revelavam a Merlin todos os segredos do mundo assim como pode transporta aos mundos das Alices. Os irmãos gêmeos sugam os desejos mais secretos do homem.
O espelho por não pensar, jamais poderia errar. O espelho é preciso e não opõe o risco. Pensar é riscar o fosforo e querer dizer tudo enquanto houver chamas.



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