segunda-feira, 22 de julho de 2013

Horinhas de descuido


Era manhã, mas manhazinha. Eles levantaram da cama. Olharam dentro dos olhos um do outro. Riram com a risada leve. Parecia que suas almas iam vazar. Os sentimentos são uma espécie de fogos de artifícios. Em todos os momentos de amor, contam-se os segundos para romper um ano. E rompe. Atravessam um ao outro. E estoura. Explode!

Já não podiam mais conter em si próprio. Catarina olhava os olhos de seu amado. Nos olhos claros e esverdeados de Breno, a moça podia enxergar a si mesma. Já seria a segunda semana que eles dormiam juntos. O começo do namoro. Breno beijava o pescoço da amada e todo corpo. Aquele encontro demorou e deveria ficar na eternidade. Deveria ser.

Os dois levantaram. A cama estava bagunçada. Breno arrumou. O apartamento do rapaz era modesto para um solteirão- que já não era mais solteiro. Catarina ajeitou-se no espelho do banheiro. Os dois saíram. Tomaram café na padaria da esquina. A zonal sul do Rio despertava. Eles se olhavam. O atendente perguntava. Eles não escutavam. Questionava: Queijo cheddar ou suíço? Você prestou atenção no que disse? Não senhor, desculpa. Riu Breno. Riu todos. O rosto de Catarina vermelhinho de vergonha. Vermelho de candura. Todos que estavam perto sentiam. Todos riam, todos amavam. O mundo estava assim: rouge. Rosa. Vermelho claro. Ele abraça o corpo dela enquanto andavam. Não sentiam vergonha de amar. Já nem se importavam com os olhares. As atenções. Parecia que de alguma maneira as pessoas não estavam ali. Era como se o mundo fossem eles. Eles fossem nós.

Seguiam rumo ao encontro. E de repente, fazia o encontro dos dedos com a pele, das mãos com as digitais, dos pelos com os cabelos, dos brilhos com os olhos, do sentir com afagar. Estariam entregues naquele parque.

Lá dentro, tinha um belíssimo jardim. Quanto verde! Flores de todas as cores. Atravessaram um laguinho por uma ponte estilo japonesa. Sentaram debaixo de pérgola num banquinho branco de praça. Foi quando Breno viu os peixes. Mó, vamos jogar comida para os peixes? Vamos!!! Foram ao mercado. Compraram biscoitos e retornam ao jardim do parque. Riram, porque tinham que esconder o plano mirabolante dos seguranças do jardim. Ninguém podia alimentar os peixes com biscoitos gordurosos. Esconderam o biscoito. Mó, cê vem aqui amanhã para saber se matamos os peixes. Riam. Quando começaram a jogar farelos na água. Os peixes abriam a imensa boca. Comiam com esfomeação fazendo bolhas. As ondinhas faziam ondulação no coração. Bolinhas subiam por dentro fazendo cosquinha. E eles riam. “Vamos jogar comida para nossos filhos” diziam. E os peixes nadavam de modo que pareciam sorrir. As migalhas de biscoito caiam no chão como fé atirada nos cachorrinhos. Já os seguranças não podiam mais proibi-los.

Eles sentaram no banco debaixo dos galhos que cobriam a pérgula. Folhas faziam a sombra perfeita. Sombras de férias, de calma, de silêncio: a paz de estar em pá. Os feixes de luz do sol entravam nos buraquinhos dos galhos das arvores até tocar na pele dos amantes. E eles amavam a ponto de o vento esquiva-se de leve por entre as folhas. Esquivava-se para pedir licença. Os pássaros cantavam a melodia que só quem ama poderia escutar. Parecia que tudo fazia sentido. Tudo estava no lugar certo. Foi quando um pequeno canário pousou no chão. Bicou as migalhas. Outra ave pousou. Quando caminha sem muita vergonha o pombo. Totalmente desajeitado. E vêm outro pombo, outro, outros, mais outros. Bem te vi. Sempre te vi. Senti. Sabiá.

Todas as aves comiam do farelo. O bem-te-vi roubava alguns pedacinhos de biscoito do lago e voltava para arvore. A rolinha era modesta em comer os grãozinhos. E eles riam. Olhavam um para o rosto do outro e tinham a certeza do que sentiam. Daí, quando menos esperavam os passarinhos estavam debaixo dos pés deles. Picavam de leve. Pareciam se alimentar, não só de farelos, mas também de sentimentos. E eles viam em bandos. Não tinham medo. E os amantes não tinham pressa, não faziam movimentos bruscos, apenas comtemplava o que era simples. Estou parecendo a “Encantada”. O Breno bancando de palhacinho fez o canto “Ôôôôôô...” tentando imitar a princesa do filme. Eles riram. E por acaso haveria um momento assim?

- Amor, obrigado! Disse Breno- agradecer era o estado mais próximo que ele conseguia dizer, -Passei tanto tempo sozinho, olhando aquelas paredes do meu apartamento, não saia de casa para nada. E quando você chegou, mudou minha vida. Parece que agora consigo olhar as coisas e as pessoas. Fico aqui olhando tudo isso com você.

Catarina apenas deu um sorriso. Não tinha palavras. Eles olhavam as coisas da natureza como uma criança olha pela primeira vez a vida ao nascer.

E ali estavam os passarinhos no galho pedindo algo mais. Para alguns humanos, apenas migalhas. Pequenos farelos que não poderia sustentar a fome de um adulto. Para os peixes, para os pássaros e quem sabe até para as formiguinhas era um banquete dos deuses. Um banquete de Afrodite. O manjar que Eros preparou. Assim é o amor. E para quem tinha fome. Aquela fome de vida já era o suficiente. O bom apetite.

- Queria fazer com que essa horinha fosse para sempre- falou observando o nada. Se bem que não era bem o nada, era como se ela tivesse sentindo o momento, mergulhada em si mesma. Era o estado de graça olhar para nada. Era como se o nada fosse à completude. É se pegar de supetão e questionar-se: Porque estou parado assim? Estou olhando para quê? Assim eram essas horinhas esquecidas!

- Não sei Mó, vamos viver e senti-las- disse e logo depois beijou a testa da moça. E sentiram. Todo aquele olhar pro nada, fazer nada e dizer nada era tudo. Olhar aquelas cores da natureza que aparentemente tinha nada completava tudo no fundo. Era uma imensa represa de aguas potáveis preenchendo os canais secos e murchos da vida. Era gente vivendo de mansinho com brabeza na alma. Era o vento soprando o machucado da criança que acabou de cair no chão de levadeza. E ela levantaria quantas vezes fosse preciso para brincar. E ela se esqueceria do tombo. E ela não se importaria com mais coisa nenhuma. Abriria os braços para o acaso. E Deus, com preguiça, ri de um céu azulzinho deixando cair pequenos farelos de biscoito. Pequenas pistas de como ser feliz em migalhas. E sentiriam fome. E os amantes comeriam dessas horinhas para sempre.

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